Francisco José Viegas
(Nacido en Vila Nova de Foz Côa, 14 de Mayo de 1962) Portugal.
Escritor portugués, impartió clases de Literatura en las Universidades de Lisboa y Évora. Fue director de la revista Leer del Círculo de Lectores y de Gran Reportaje. Ha participado en numerosas series de TV sobre Literatura y viajes. Es autor de novelas, obras de teatro, poesía y crónicas de viajes. Sin duda se trata de uno de los más destacados pensadores de la cultura portuguesa contemporánea. En el año 2003, fue invitado a los encuentros internacionales de poesía en el Festival de Sarajevo y en el año 2005 consiguió el premio APE.
Meia-Noite de Buenos Aires
Os bailarinos de tango vieram de Mendonza e de Santa Rosa
cada um de sua cidade. Aprenderam o tango entre lixo
e ventanias; há sempre aquele perfume nas ruas
de Buenos Aires, uma luz perigosa que nasce entre Corrientes e Dorrego,
e não desaparece com a chuva. Aprenderam o tango
nas manhãs de domingo, muito cedo, quando os turistas
perguntam pela Plaza de Mayo e seguem encostados às paredes
das velhas casas do bairro. Bandonéon e fuga, aço puro,
contrabaixo, piano forte, aguarelas, dança no meio do fogo,
escondida da luz: eles aprendem com as memórias,
com os falhados, os mortos, os músicos que atravessaram
os átrios, os prédios cobertos de pó, as praças enegrecidas
pelos anos e pela literatura. São bailarinos de tangos;
tu compreendes a música mas só eles entendem a vingança
de cada passo, o silêncio que se faz em seu redor, a meia noite
de Buenos Aires, aquele olhar que não é já um olhar
mas uma ameaça, uma lâmina que aparece em cada mão
para dar brilho às histórias e ao seu passado. É só o tango.
MEDIANOCHE DE BUENOS AIRES
Los bailarines de tango llegaron de Mendoza y de Santa Rosa,
cada uno de su ciudad. Aprendieron el tango entre basura
y vendavales; siempre está aquel perfume en las calles
de Buenos Aires, una luz peligrosa que nace entre Corrientes y Dorrego,
y no desaparece con la lluvia. Aprendieron el tango
en las mañanas de domingo, muy temprano, cuando los turistas
preguntan por la Plaza de Mayo y siguen apoyados en las paredes
de las viejas casas del barrio. Bandoneón y fuga, acero puro,
contrabajo, pianoforte, acuarelas, danza en medio del fuego,
escondida de la luz: ellos aprenden con las memorias,
con los perdedores, los muertos, los músicos que atravesaron
los atrios, los edificios cubiertos de polvo, las plazas ennegrecidas
por los años y por la literatura. Son bailarines de tango;
tú comprendes la música pero sólo ellos entienden la venganza
de cada paso, el silencio que se forma a su alrededor, la medianoche
de Buenos Aires, aquella mirada que ya no es una mirada
sino una amenaza, una hoja que aparece en cada mano
para dar brillo a las historias y a su pasado. Es sólo el tango.
© Traducción: Verónica Aranda
O TANGO. BUENOS AIRES.
Brigam no meio da rua. Ao passar em San Telmo,
ao fim da manhã, vejo como brigam, corpo
com corpo, ao som de uma música vengativa
que comove os cegos, os que pasam, os que ficam.
EL TANGO. BUENOS AIRES
Pelean en medio de la calle. Al pasar por San Telmo,
al final de la mañana, veo como pelean, cuerpo
a cuerpo, al son de una música vengativa
que conmueve a los ciegos, a los que pasan, a los que se quedan.
© Traducción: Verónica Aranda
Se me Comovesse o Amor
Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mão, e deixo o dia
caminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecer
o sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.
Por isso não me procures, não me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe.
in 'Se me Comovesse o Amor'
As crianças adoecem no Inverno
As crianças adoecem no Inverno,
As crianças adoecem no Inverno,
tossem de noite,
morres por elas nesses momentos
em que precisam de ti.
Vigias o seu sono,
entregas o teu, despertas com facilidade,
olhas uma a uma as horas que passam
como se todas as crianças nascessem no Inverno.
A quem darei todos os dias da minha vida
A quem darei todos os dias da minha vida? A voz que levo
A quem darei todos os dias da minha vida? A voz que levo
em mim impressa como o rumor dos jardins, os rebanhos
descem pelas encostas, a neve abandona as giestas,
uma banda de província comemora o entardecer. Tu e eu dançaremos
como antigamente o Verão nos chamava, pelas romarias,
e passaremos as noites em viagem. Reinventei o mundo agora,
tu o fizeste assim, uma única vez se diz o nome que nos fez
voar sobre as searas. A quem darei a minha vida?
Aquilo que deixámos um no outro marcado como um fogo,
o sobressalto, as novas palavras. O tempo demora, e volve, devagar,
sobre si mesmo, nos pátios mais antigos. Do primeiro ao último dia,
a quem darei todos os dias da minha vida?
in 'Sombras - O Medo do Inverno'
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