Miguel De Carvalho
(Luxemburgo, 1970). Poeta y Collagista Portugués. Es el animador de la editorial surrealista Debout Sur l'Oeuf y director de la revista con el mismo nombre. Ha organizado varias exposiciones del surrealismo con ediciones especiales de libros. A partir de su convivencia con Artur Cruzeiro Seixas su influencia comenzo a extenderse en 2005 en su obra como collagista y poeta. Es un miembro integrante del Grupo Surrealista de Sao Paulo (Brasil). Ha participado en exposiciones internacionales de surrealismo en Portugal, Bèlgica, Republica Checa y Chile. Colabora en revistas como Brumes Blondes, Supérieur Inconnu, y Tortue-Lièvre. Es colaborador de la Revista Derrame.
UN VIOLÍN EN SUEÑOS
La selva y el bosque
el bosque y el alba
el espejo con su mariposa
el mar dentro de tus ojos
mi piedra negra y yo
desnudos de la inteligencia
de una palabra sin tiempo.
ÉS O POEMA
és o poema e a aurora
que esboça no corpo um discurso húmido de cânticos nocturnos
és o poema e a fissura dos meus olhos
donde derramo a tinta com que escrevo teu nome
és o poema que perdura cardíaco
entre labaredas e jardins proibidos das geografias internas
és o poema e o consolo duma boca
que beija no ventre uma borboleta em chamas
és o poema e a navegadora sem tempo
no meu peito de pétalas secretas
és o poema e a intimidade de uma lágrima
onde sal nocturno segrega a espuma do sonho
és o poema de todos os poemas até à bruma no horizonte
UM RETRATO ESQUECIDO
Não é na orla da partida
que ardem meus olhos com silêncios
como se só estivesse à espera
de um vento entregue num sussurro
de quem nada espera além de
escrever vida com palavra inimiga
ao longo da lenta abertura
que a terra no sangue corrompe.
Todos os outonos são transparentes
servem com segredos a perseguição das sombras
com folhas secas juram o fim dos pequenos hábitos
dos pedaços de rua e das gentes sem soluções.
Apenas lembro a intimidade das horas
na ausência de todas as cartas
contorcidas que ficam na memória
ritmadas pela sensação de acariciar a vida
a partir do lugar eterno que é a morte.
Eu ainda sou um crescente
tu partiste pela estrada.
OUVE
Para Ana Isabel Soares
Exercem os ventos um fascínio quando num moinho recorrem às cabaças para testemunhar a sua passagem. Empurram para fora uma realidade inadaptável à melancolia crescente dos dias. Esta acção meteorológica, ou melhor, este exercício de vagabundagem natural, é rival do quotidiano ao longo de um correr de provocações sobre a forma sonora. Há momentos em que a musicalidade circular e cadente dá lugar à acção mecânica da corrente de ar com um bater ritmado de porta, incerta e fria. O som metálico do trinco, o ranger da dobradiça durante o seu vai-vem ilude o singular reconhecer dos cheiros, ao mesmo tempo que se ouvem os silvos das rajadas. As sombras das velas a girar sacodem a luz solar intermitente sob uma ameaça, ainda que volátil, dos panos e cordas a bater. Dentro do moinho, sobre mesa gasta, repousam há demasiado tempo maçãs junto de um copo cheio de água. À noite os cheiros são mais intensos e a profundidade destes aninham-se no olhar que tenta trespassar o vidro opaco de poeiras. É nele que se afogam as imensidões desnecessárias dos dias. É dele que se bebe a água contaminada de olhares. Fica o prazer estranho de a engolir e a resistência do aroma da fruta, enquanto lá fora o vento faz circular os panos presos nas varas ao mastro.
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