miércoles, 15 de agosto de 2012

7418.- RAÚL DE CARVALHO




RAÚL DE CARVALHO
 (1920 – 1984)
Poeta português, natural do Alvito. Foi colaborador das revistas Távola Redonda e Árvore e Cadernos de Poesia, que, na década de 50, conglomeravam de forma irregular, mas activa, poetas de várias sensibilidades. A obra deste poeta, onde se encontram evocações da sua infância alentejana, revela a sua ligação ao neo-realismo. A fidelidade ao humano e o estilo enumerativo e anafórico são marcas da sua poesia. 

Os seus títulos englobam As Sombras e as Vozes (1949), Poesia, (1955), Mesa de Solidão (1955), Parágrafos (1956), Versos - Poesia II (1958), A Aliança (1958), Talvez Infância (1968), Realidade Branca (1968), Tautologias (1968), Poemas Inactuais (1971), Duplo Olhar (1978), Um e o Mesmo Livro (1984) e Obras de Raul de Carvalho — I — Obra Publicada em Livro (editada postumamente em 1993). Recebeu, em 1956, o Prémio Simón Bolívar, do concurso internacional de poesia realizado em Siena, Itália.Fonte da biografia: www.astormentas.com/





CONVERSACIÓN A SOLAS

Verás, Mila, la vitrina está llena 
de chocolates pequeños.
Tal vez Pessoa haya escrito aquí 
la Tabaquería.
Tal vez digan que está todo escrito 
y a lo mucho, lo que yo demuestro es habilidad.

Tal vez un día, como tú dices, 
las escuelas me reciban de nuevo
y aprenda verdaderamente
cómo se dice amor en inglés.

Verás, Mila, a decir verdad
estoy muy olvidado de esas cosas
y todos los libros que leí sobre la memoria
no me dieron memoria alguna.

Para imitar a Pessoa, digo:
precisamente en este momento
entró aquí un joven y pidió -¡Licor!
Eso prueba que el amor es diferente para cada quien.
Eso prueba que a la sangre del joven le falta
para que él se sienta lleno y a voluntad.
Eso prueba que los chocolates, los bollos y el resto
son mediocres formas de entendimiento mutuo.

Verás, Mila, entre los miedos que me asaltan y cultivo, 
el principal es que mi madre no me quiera más.
Veras, nunca leí con calma a Álvaro de Campos
porque aquello era demasiado mío para ser de él.
Porque las multiplicaciones de él
son mis multiplicaciones.
Porque nunca puse oído para escuchar 
que no sintiera enmudecido todo a mi regreso. 

Porque no es fácil escribir poemas
cuando los poemas son difíciles de roer 
y es más fácil esconder la vergüenza 
que la locura.

Verás, Mila, si la poesía no está en los versos
tampoco está aquí.
A lo mucho, lo que la gente puede
es pedir que ella venga,
y, cuando llegue,
poner en la mesa un plato y un cubierto más.
Entretanto, todos los sueños son buenos, 
porque son inútiles.

Entretanto, el payaso de cuerda recuerda
el infeliz vuelo de Álvaro y los otros.

Mañana, que es domingo
diremos: pasó una semana más.
Nuestra mayor felicidad
será quedarnos todo el día en la cama
sabiendo que el sol, allá afuera, es violento
y nos odia.

Verás, Mila, todas las cosas continúan ciertas
cuando las certezas nos abandonan.

Hay quienes tienen la voz tan alta
y tanto que les basta hablar
para que todas las distancias los oigan.
Nosotros, no.
Nosotros no sabemos escribir a máquina,
no escribimos ni leemos las cartas
de los otros, que cruzan el mundo.

Por eso es que los patrones nos pagan por caridad,
la angustia no es fingida, y amamos todo por obligación.

Por eso es que la gente nunca sabe 
cuando dice la verdad,
porque, para ser nuestra, la verdad es mentira.

Verás, Mila, a mí no me importa nada
que digan que Pessoa 
estuvo conmigo hoy, en esta pastelería;
que hayamos nacidos los dos en el mismo sitio,
un sitio donde se nace por inmoralidad.
Y todo lo que él no vio
-playas, puentes, ciudades y navíos-
hayan querido ahora
inundar el poema.

No juzgues, Mila
que sienta alegría
en callarme.

Traducción de Mijail Lamas




CONVERSA A SÓS

Olha, Mila, a montra está cheia
de chocolates pequenos.
Talvez o Pessoa tenha escrito aqui
a Tabacaria.
Talvez vão dizer que está tudo dito
e o mais que eu mostro é habilidade.

Talvez que um dia, como tu dizes, 
as escolas me recebam de novo
e eu aprenda verdadeiramente
como se diz amor em inglês.

Olha, Mila, para falar a verdade
eu estou muito esquecido dessas coisas
e todos os livros que li sobre a memória
não me deram memória nenhuma.

Para imitar o Pessoa, digo:
Precisamente neste momento
entrou aqui um jovem e pediu: – Licor!
Isso prova
que o amor é diferente para toda a gente.
Isso prova que o sangue do jovem não chega
para que ele se sinta cheio e à vontade.
Isso prova que os chocolates, os bolos e o resto
são medíocres formas de entendimento mútuo.

Olha, Mila, entre os medos que me assaltam e eu cultivo,
o principal é que a minha mãe já não goste de mim.
Sabes, nunca li com vagar o Álvaro de Campos
porque aquilo era demasiado meu para ser dele.
Porque as multiplicações dele
são as minhas multiplicações.
Porque nunca pus o ouvido à escuta
que não sentisse tudo calado à minha volta.

Porque não é fácil escrever poemas
quando os poemas são difíceis de roer.
E é mais fácil esconder a vergonha
do que a loucura. 

Olha, Mila, se a poesia não está nos versos
também não está aqui.
O mais que a gente pode
é pedir que ela venha
e, quando chega,
pôr mais um prato e um talher na mesa.
Entretanto todos os sonhos são bons,
porque são inúteis.

Entretanto, o palhaço de corda recorda
o infeliz voo do Álvaro e dos outros.

Amanhã, que é domingo,
diremos: passou mais uma semana.
A máxima felicidade nossa
será ficar todo o dia na cama
sabendo que o sol, lá fora, é violento
e nos odeia.

Olha, Mila, todas as coisas continuam certas
quando a certeza nos abandonou.

Há quem tenha a voz muito alta
e tanto que basta-lhes falar
para que todas as distâncias os ouçam.
Nós, não.
Nós não sabemos escrever à máquina,
não escrevemos nem lemos as cartas
dos outros, que cruzam o Mundo.

Por isso é que os patrões nos pagam por esmola,
a angústia não é fingida, e amamos todos por obrigação.

Por isso é que a gente nunca sabe
quando fala verdade,
porque, para ser nossa, a verdade é mentira.

Olha, Mila, eu não me importo nada
que digam que o Pessoa
esteve comigo, hoje, nesta pastelaria;
que tenhamos nascido os dois no mesmo sítio,
um sítio onde se nasce por imoralidade.
E que tudo o que ele não viu
– praias, pontes, cidades e navios –
tenha querido agora
inundar o poema.

Não julgues, Mila,
que senti alegria
em calar-me!

Realidade Branca (Círculo de Leitores, 1975).





Isso até me agrada. Que me deitem fora
Que me deixem livre de compromissos afectivos.
Ficar ligeiro por dentro; ser como casca só.
Não tropeçar nos detritos humanos
Que me cercam,
Não ter altivez nenhuma nisso.
Ser simplesmente um andante.
Ter o caminho livre.





CORAÇÃO SEM IMAGENS

Deito fora as imagens,
Sem ti para que me servem
as imagens?

Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em toda a parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica.

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu.

Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém.

Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.

Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei.

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.

E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.





Para um novo livro de Cesário Verde

Eles tomam cerveja, ambrosia, licores
oleosos, sagrados como discos lunares.
Do azul da gravata ou da fímbria das ondas
retiram pensamentos ociosos e puros.

Recolhem-se de noite às oliveiras mansas
duma infância passada em louco desafio.
Ou então, nos portais, em amoroso convívio,
fingem que já não temem a noite nem o frio.

Já não têm família e mastigam, sozinhos,
um jovial jantar, colorido e minúsculo,
que haviam de comer, num domingo qualquer,
entre amigos cantando, ente mulheres amando.
        
Têm as caudas leves e subtis dum peixe,
têm um planeta adormecido e exangue,
têm os olhos líquidos, de asfódelo ou de cobre,
esses seres mitológicos que asfixiam a Terra.

São eles que caminham, irreais e aos tombos,
pondo nódoas de espanto por cima dos telhados.
Eles é que me deram o título deste poema:
A Cidade Está Cheia de Homens Assassinados.






Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humidade das bocas.

Vem, serenidade!
faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.






Coração sem imagens

Deito fora as imagens, 
Sem ti para que me servem 
as imagens? 

Preciso habituar-me 
a substituir-te 
pelo vento, 
que está em toda a parte 
e cuja direcção 
é igualmente passageira 
e verídica. 

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos 
numa casa deserta, 
ao trémulo vigor de todos os teus gestos 
invisíveis, 
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve 
a não ser eu. 

Serei feliz sem as imagens. 
As imagens não dão 
felicidade a ninguém. 

Era mais difícil perder-te, 
e, no entanto, perdi-te. 

Era mais difícil inventar-te, 
e eu te inventei. 

Posso passar sem as imagens 
assim como posso 
passar sem ti. 

E hei-de ser feliz ainda que 
isso não seja ser feliz.





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