martes, 6 de junio de 2017

JÚLIA DE CARVALHO HANSEN [20.184]


JÚLIA DE CARVALHO HANSEN 

(Sao Paulo, Brasil 1984). Formada en Letras en la Universidad de São Paulo con posgrado en Estudios portugueses por la Universidad Nova de Lisboa. Ha publicado en poesía: cantos de estima (2009), alforria blues ou Poemas do Destino do Mar (2013) y O túnel e o acordeom (2013). Actualmente, es editora de Chão da Feira.


Traducción de los poemas por Marcos Visnadi. Revisión de la traducción por Cícero Oliveira.

Poemas


OS LIVROS são de natureza mineral. 
Alguns bebem-se outros se proliferam 
como água. Outros pedra, não fruta, 
rocha da onde brota a tua pele. 
Passa por cima uma formiga. 
Há capins vibrando 
vento e sol com sombra 
o musgo cresce, um mosquito 
entra na tua boca e você cuspindo 
cai na água que alguém 
numa cidade adiante 
distante, talvez 
sem mágoa 
vira a página 
bebe.



LOS LIBROS son de naturaleza mineral. 
Algunos se beben otros proliferan 
como agua. Otros piedra, no fruta, 
roca de donde brota tu piel. 
Arriba pasa una hormiga. 
Hay hierbas vibrando 
viento y sol con sombra 
el musgo crece, una mosca 
entra en tu boca y tu escupiendo 
caes en el agua que alguien 
n una ciudad lejana 
distante, quién sabe 
sin amargura 
vira la página 
bebe.




TENHO SIDO entregue 
às mais escuras 
das noites mudas. 
Que posso eu? 
No entre desses espinhos? 
Ando tão baixo 
quanto as formigas 
mas se arbusto não sou 
por que tenho vivido 
eu coberta de espinhos? 
Da queda fez-se um ninho 
maceradas folhas de sombra 
abrigam o meu corpo. 
É o esquecimento da terra. 
Mas por que, por que 
vesti-me de espinhos? 
Si soy el temblor, o lugar 
onde o trovão diz 
EU é o meu peito 
alargado.




ME VEO lanzada 
a las más oscuras 
de las noches mudas. 
¿Qué puedo yo? 
¿En el entre de estas espinas? 
Ando tan bajo 
cuanto las hormigas 
pero si arbusto no soy 
¿por qué he vivido 
yo cubierta de espinas? 
De la caída se hizo un nido 
maceradas hojas de sombra 
abrigan a mi cuerpo. 
Es el olvido de la tierra. 
Pero ¿por qué, 
por qué me vestí de espinas? 
Si soy el temblor, el lugar 
donde el trueno dice 
YO es mi pecho 
ensanchado.




VII 

Sou apenas um cavalo 
o mundo não vale o mundo, meu bem 
no entanto, é ele quem me leva. 

O cavalo (que vive por mim) abre mão 
de ter cascos, patas, coices, 
mas de correr no sol, não. 

E quando alguém sonha e confunde 
o amor comigo, comigo o amor 
infundido, infindável, é o cavalo.




VII 

Soy solo un caballo 
el mundo no vale el mundo, cariño 
sin embargo, es él quien me lleva. 

El caballo (que vive por mí) renuncia 
a tener cascos, patas, coces, 
pero a correr en el sol, no. 

Y cuando alguien sueña y confunde 
el amor conmigo, conmigo el amor 
infundido, interminable es el caballo.




XI 

Temes a noite onde os nomes não se registram nos radares 
e as palavras como joelhos afastados pela mão de outro 
são caixas-pretas boiando no mais marinho dos oceanos. 

Um avião cruza os ares em direção a um batizado. 
É o seu eco que cola as sílabas umas às outras 
rejuntes de significado, amálgamas do esquecimento. 

Se só pensas em assentar as mais corretas maneiras 
de permanecer, feito cal, espalhado pelas espáduas 
trêmulo cimentado teu coração, um canteiro de plantio 
para as alfaces – soníferas e insípidas – do cotidiano. 
De ti, só poderei aceitar atrelar-me, como um mexilhão. 

Agora sou na tua rocha. E de mim se aproxima outro, 
que os passageiros não alcançarão. Age antes de querer 
com todos os olhos de quem nunca tinha tocado bivalves 
sem enciclopédia ou Discovery Channel 
feito um miúdo se maravilha, ama as pérolas, 
sabe bem mastigá-las com os dentes até parti-las. 

Como eu, um dia, também contigo, tentei.




XI 

Temes las noches donde los nombres no se registran en los radares 
y las palabras como rodillas apartadas por la mano de otro 
son cajas negras flotando en el más marino de los océanos. 

Un avión cruza los aires en dirección a un bautizo. 
Su eco es lo que pega las sílabas unas a las otras 
juntas de significado, amalgama del olvido. 

Si solo piensas en asentar las más correctas maneras 
de permanecer, hecho cal, esparcido en las escápulas 
trémulo cementado tu corazón, un cantero para plantar 
lechugas —somníferas e insípidas— del cotidiano. 
De ti podré solo aceptar juntarme, como un mejillón. 

Ahora soy en tu roca. Y de mí se acerca el otro, 
que los pasajeros no alcanzarán. Obra antes de querer 
con todos los ojos de quien nunca hubiera tocado bivalvos 
sin enciclopedia o Discovery Channel 
hecho un niño se maravilla, ama las perlas 
sepa bien masticarlas con los dientes hasta partirlas. 

Como un día yo, contigo también, intenté.




XXV 

Quem fundou esta cidade 
foi fundo o suficiente? 
Quem veio por aqui primeiro 
será que eram dois ou vinte ou duzentos 
estavam armados 
com mais fome do que fé? 
Calcularam pelos astros 
Ou vinham tranquilos 
gestantes do acaso 
nem se noticiaram a notícia da nova povoação 
foram percebendo aos séculos que ficavam, dias 
após 
que a cada noite dormiam 
todo solo tem um ímã que nos puxa ou repele 
Ou a cada noite dormiam mais tarde 
de tão próximos uns dos outros que estavam 
começavam a se identificar uns com os outros 
até que de outros viraram os mesmos 
um povo, uma língua, uma situação, 
porque tinham tanta noite por fazer e por falar 
Que brigavam 
por honra e tédio, 
nasceu a cidade. 
E bebiam vinho? 
E comiam batata? 
Só muito mais tarde amuraram 
Notaram que o cume os defenderia?

Ou subiram pelo esmero da montanha 
e as lavadeiras reclamariam 
de ter que viver ao topo e descer dia a dia, 
Ou naquele tempo as pessoas de nada reclamavam 
ou ainda não havia lavadeiras 
porque eram nômades e todos 
faziam de tudo ou porque nada limpavam 
Ou porque passavam o dia a se lavar 
gostavam da água, chapinhar, boiavam imensos 
abraços no rio, bolinhas pelo nariz 
e sempre muito limpos cheiravam uns as partes dos outros 
Com o mesmo amor de quando te olho de cima, cidade, 
notaram que você nem sempre esteve aqui 
embora esteja e estará por mais tempo do que eu, 
Não se devem comparar casas com homens, ruas com homens 
mas eu comparo tudo com homens 
e por vezes escolho as casas, os homens, as cidades 
mas quase sempre estou vendo a cidade por dentro dela demais 
e todo mundo sabe que um coração é um labirinto de monóxido de carbono 
que o digam os centros das nossas cidades 
Os centros das nossas cidades já não fedem a estrume 
embora neles floresçam outras pestes 
e enquanto olho atenta cidade por cima 
dá um vento aqui — é tão alto — e meus ossos doem por dentro. 
É inverno e o inverno nos enche de frio, de dúvidas e de ossos 
De se quando chegaram nesta cidade 
os primeiros habitantes
muito antes de ser uma cidade 
muito antes de haver habitantes 
quando lá descansaram — porque ainda não era 
aqui — a cidade não lá começou perto do rio? — 
um homem e uma mulher se comeram 
— como nós também — é inevitável — 
encontraremos cidades por fecundar.




XXV 

Quien fundó esta ciudad 
¿fue suficientemente fondo? 
Quien vino aquí primero 
¿fueron dos o veinte o doscientos? 
¿estaban armados 
con más hambre que fe? 
¿Calcularon los astros? 
O venían tranquilos 
gestantes del azar 
ni se noticiaron la noticia de la nueva población 
percibieron con los siglos que quedaban días 
después 
que cada noche dormían 
todo suelo tiene un imán que nos tira o repele 
O cada noche dormían más tarde 
tan cerca unos de los otros estaban 
que empezaban a identificarse unos con los otros 
hasta que de otros se convirtieron los mismos 
un pueblo, una lengua, una situación, 
porque tenían tantas noches por hacer y hablar 
Que peleaban 
por honor y hastío, 
nació la ciudad. 
¿Y tomaban vino? 
¿Y comían papas? 
¿Sólo mucho más tarde muraron 
Notaron que la cumbre los defendería?

O subieron por esmero la montaña 
y las lavanderas se quejarían 
de tener que vivir en la cima y bajar día a día, 
O en aquellos tiempos las personas de nada se quejaban 
o todavía no había lavanderas 
porque eran nómadas y todos 
hacían de todo o porque nada limpiaban 
O porque pasaban los días lavándose 
les gustaba el agua, salpicaban, flotaban inmensos 
abrazos en el río, burbujas por la nariz 
y siempre muy limpios husmeaban las partes unos de los otros 
Con el mismo amor con que te miro de arriba, ciudad, 
notaron que tu no siempre estuviste aquí 
aunque estés y estarás mucho más tiempo que yo, 
No se deben comparar casas con hombres, calles con hombres 
pero yo comparo todo con hombres 
y a veces elijo las casas, los hombres, las ciudades 
pero casi siempre veo la ciudad demasiado adentro 
y todo el mundo sabe que el corazón es un laberinto de monóxido de carbono 
que lo digan los centros de las nuestras ciudades 
Los centros de las nuestras ciudades ya no hieden a estiércol 
aunque en ellos florezcan otras pestes 
y mientras miro atenta ciudad desde arriba 
hay un viento acá —es tan alto— y mis huesos duelen desde adentro. 
Es invierno y el invierno nos llena de frío, de dudas y de huesos 
De si cuando llegaron en esta ciudad 
los primeros habitantes
mucho antes de ser una ciudad
mucho antes de haber habitantes 
cuando allá descansaron —porque aún no era 
aquí— ¿la ciudad no allá empezó cerca del río?— 
un hombre y una mujer se comieron 
—como nosotros también— es inevitable— 
encontraremos ciudades 
por fecundar.




otros poemas de Júlia de Carvalho Hansen



O futuro? Tem orelhas,
mas é surdo. E é manco.
Se arrasta, sem espanto
mais alheio do que lúcido
com o nosso despreparo.

Se fosse um deus amava o humano mas, como não existe,
o futuro tem de amansar seus ventos, marcando as peles,
as montanhas. Sendo um gênio, não é um exército
de cronogramas, nem de antecipações.

Tem firmeza de flor. E é
invisível, reconhecido
por seus efeitos de brisa,
furacão. Nunca adiado.
Não tem nada a ensinar
no entanto é um mestre
dizem os esgrimistas,
os observadores de saltos,
os gatos também
aprendem certos truques com ele.

E se ama os despreparados
lhe sabem tanto os que fazem
quanto os que esperam.
Os otimistas valem mais
valem quanto?
Cem bifurcações,
sucessivas gerações
de bem aventurados
que topam em pedras,
cicatrizam e correm
bem alimentados
com fome de mais
alimento.

São seus sinais
os imprevistos, os cavalos
os pontos cardeais
os cinco sentidos
e os setes buracos da cabeça.

* * *

Estou sempre a espera de ver.
Vou na frutaria de olhos muito abertos
vez em quando meus ombros se fecham
quando muito chama a ver. Temem o fogo
que se alastra entre estalos nas estruturas.

Preciso dissolver um pouco dos vigiantes olhos
para encontrar todos os olhares que tenho por onde.
É assim que vejo também a confusão.
A confusão tem algumas coisas para me ensinar.
Essa pouca relação é a nossa.
Meu esteio é claro quando estou pisando
meu chão diamantado de dentes
de cada animal que comi para me tornar
humana. E assim poder dizer.

Mas eu sei
sou tão pontual
nasci para esperar
os deuses não.
Dia desses
ganharei outra velocidade.
Serei planta.
E hei de continuar
iluminada
pela água.

* * *

É preciso recriar o acontecer. Dispor
de lãs para o inverno
ouvidos para as mensagens
e peles para marcar os sinais
com a ponta do dedo em brasa.
É preciso saber
as regras dos jogos
como extrair os venenos
e que palavras abrem portas
nas orações que ainda não foram compostas.

É preciso retomar a saída da cidade
alimentar os estrangeiros chegados na madrugada
e que depois de terem os pés lavados
acenderam suas fogueiras.
Fornecemos mais do que gravetos e faíscas em gel
mas também papel para que ardessem
ou escrevessem as técnicas de suas civilizações
nas quais o vento tem outros significados
pois as asas de seus deuses batem desde o oeste
e por aqui todos sabem que os deuses vem da América do Sul.

Os estrangeiros às vezes têm ideias estúpidas
mas não vamos protegê-los de si mesmos
preciso é retirá-los de perto da falésia
para que não caiam nem decidam partir.
É preciso dar a eles a agricultura
pois são o ventre deste país
embora não saibam trazer a chuva
pelo menos respeitam as pragas
e evitam as devastações.

É preciso aquecer os músculos e hidratar a garganta
dar escudos duros e afiar as lanças dos que combatem
protegendo as pedras que dão água.
É preciso não salvar os mortos
mas limpar as ruínas de suas guerras
sem arrancar as ervas daninhas.
É preciso fornecer plantas para a sombra
e luzes no lugar dos olhos
daqueles que perderam a cabeça.
É preciso acolher os feridos
e deitar sal e cinzas
nos seus ferimentos.
É preciso acalmá-los.
E acalmá-los é dar guarida ao breu em que estão.





Seiva veneno ou fruto é um livro com 27 poemas, escritos entre 2013 e 2015. Discutindo a possibilidade de transcendência da realidade, o livro funciona como um objeto cíclico, ritual incluído na ausência de títulos dos poemas, que funcionam como cantos sempre a reverberar. É um livro espiritual, onde luz e sombra são polaridades constantes, assim como a experiência de elementos e processos naturais como o vento ou tentativas de entender a morte. Seiva veneno ou fruto amplia o espectro de conhecimento questionando: como a poesia pode dialogar com deuses, vegetais e animais?

“O futuro? Tem orelhas,
mas é surdo. E é manco.
Se arrasta, sem espanto
mais alheio do que lúcido
com o nosso despreparo.

Se fosse um deus amava o humano, mas como não existe
o futuro tem de amansar seus ventos, marcando as peles,
as montanhas. Sendo um gênio, não é um exército
de cronogramas, nem de antecipações.

Tem firmeza de flor. E é
invisível, reconhecido
por seus efeitos de brisa
furacão. Nunca adiado.
Não tem nada a ensinar
no entanto é um mestre
dizem os esgrimistas
os observadores de saltos
os gatos também
aprendem certos truques com ele.

E se ama os despreparados
lhe sabem tanto os que fazem
quanto os que esperam.
Os otimistas valem mais
valem quanto?
Cem bifurcações,
sucessivas gerações
de bem-aventurados
que topam em pedras
cicatrizam e correm
bem alimentados
com fome de mais
alimento.

São seus sinais
os imprevistos, os cavalos
os pontos cardeais
os cinco sentidos
e os sete buracos da cabeça.”












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