lunes, 12 de junio de 2017

FERNANDO REIS LUÍS [20.208]


FERNANDO REIS LUÍS

Fernando Reis Luís, nació en Monchique, Portugal el 22.1.1945. Licenciado en Gestión Bancaria. Ejerció las profesiones de profesor, bancario y delegado distrital de Protección Civil. Se inició en la escritura publicando cuentos y poemas, aún muy joven, en el "Juvenil", suplemento semanal del "Diario de Lisboa".

Escribió para diversos periódicos y revistas, fue corresponsal del Diario de Noticias y colaborador del diario “Barlavento” y de las revistas “Florestas”, “Prevenir” e “Protecção Civil”.

Muy ligado al asociativismo fue fundador e impulsor de diversas asociaciones ligadas al deporte, a la cultura, a los bomberos y a la política. Después del 25 de abril, fue candidato a la Asamblea Constituyente y fue elegido diputado a la Asamblea de la República en las primeras elecciones legislativas.

Su poesía se encuentra publicada en los libros “Teia”,  “A Seiva das Palavras” ,  “Nos Socalcos da Serra”,  “Marés & Maresias” , “Trezentos e Trinta e Três Tercetos”, ”Ipsis Verbis” e “Alquimia das Metáforas”. Figura en la Antología Poética “O Trabalho”,  en la colección de poetas algarvios “Terra Luz” e “Palavras de Liberdade” y en la colección "Mesturas", publicada en España.



Fernando Reis Luís, nasceu em Monchique, Portugal em 22.1.1945. Licenciado em Gestão Bancária. Exerceu as profissões de professor, bancário e delegado distrital da Protecção Civil. Iniciou-se na escrita publicando contos e poemas, ainda muito jovem, no “Juvenil”, suplemento semanal do “Diário de Lisboa”.

Escreveu para diversos jornais e revistas, tendo sido correspondente do Diário de Notícias e colaborador do jornal “Barlavento” e das revistas “Florestas”, “Prevenir” e “Protecção Civil”.

Muito ligado ao associativismo foi fundador e impulsionador de diversas associações ligadas ao desporto, à cultura, aos bombeiros e à política. Após o 25 de Abril, foi candidato à Assembleia Constituinte e foi eleito deputado à Assembleia da República, nas primeiras eleições legislativas.

A sua poesia encontra-se publicada nos livros “Teia”,  “A Seiva das Palavras” ,  “Nos Socalcos da Serra”,  “Marés & Maresias” , “Trezentos e Trinta e Três Tercetos”, ”Ipsis Verbis” e “Alquimia das Metáforas”. Figura na Antologia Poética “O Trabalho”, na coletânea de poetas algarvios “Terra Luz” e “Palavras de Liberdade” e na coletânea  “Mesturas”,  publicada em Espanha.



POETAS ALGARVIOS

SEM FIM

Eu, 
aqui presente                                     
sou o papel                                                  
que tudo consente.                                      
Tenho qualquer cor                                     
Pluripartidário                                             
sou do doutor 
do professor
do ditador
do vigário.
E faço de artista
malabarista.
Sou tempo
sou calendário
sou cartaz
escrevem-me Paz
e lançam-me à terra
no lixo
e na guerra.
Um dia, talvez, serei alimento.
Sou certidão de óbito
e de nascimento
sou o divórcio e o casamento.
E neste andamento
sou
o moinho de vento
para a criança
e sem parar 
sempre em andança
sou a escola
sou a bola
sou avião para brincar
sou passarinho sempre a voar.
E para ti
sou confetti
sou serpentina
no Carnaval.
Sou cartão e cartolina.
Sou apontamento nota notícia
Sou revista jornal 
panfleto
do fascista e do comunista.
Sou anarquista.
Dou ordens ao governador
ao patrão
e ao trabalhador.
Sou livro
Romance poema fotografia
Sou corpo nu.
Limpo o cu em cada dia
Não sou pedante
sendo importante.
Conheço a letra e os segredos
de todo o mundo.
Sou selo envelope cartas de amor 
e cartas de jogar
Sou a sorte e a fortuna
Leio a sina
Sou etiqueta mala maleta
Tela pala paleta
E sem gratidão e apelo
Sou fogo na lareira
sou cinza
sou pó poeira poalha
sou chão e sou mortalha.
E já imundo
suado sujo
não reformado nem amado
deixo este mundo.
Sou triturado reduzido misturado
sem compaixão
sou mal tratado diluído reciclado
sou transformado
mata-borrão
sou canelado
restaurado continuado
sou papelão
sou caixa
sou caixote 
sou caixão.

Enfim
Sem fim.

In: “Teia”, Arandis Editora





MAGNÓLIA

Agora que te vais 
Que contas tu
Dos beijos que se deram
Na tua sombra
Que contas tu
Dos abraços que se deram
Para sentir a tua dimensão

Que nos relembras de outros tempos franciscanos
Que viste
Que sentiste
Do alto da tua copa
Mirando todo o povoado

Que nos contas tu
Sobre as casas e as ruas estreitas
E os socalcos cavados na montanha
Para desbravar o chão
E fazer crescer os pomares de macieiras
 e os campos e os olhares

Que nos relembras das danças nas eiras
E dos cantares ecoados nos vales
Para alentar  os almocreves vencendo
Os caminhos pedregosos
No transporte das madeiras
Da cortiça
E da aguardente de medronho

Conta-nos como os serranos
Se vestiam ao domingo
E ornamentavam as ruas com rosmaninho
Para passar a procissão
Conta-nos como se juntavam nas madrugadas
Apanhando a espiga de trigo
E o ramo da oliveira

Conta-nos como era grande a feira
E muito o gado
Quantos eram os saltimbancos
E os trovadores cantando as desgraças
Conta-nos se alguma vez
Os vendedores  de banha da cobra fizeram um milagre
Ou se uma sina lida pelas ciganas bateu certo 
Ou como eram boas as bolotas torradas e o torrão de alicante
E divertido entar nas coloridas barracas
Dos espelhos curvos
Ou dos bonecos da cachamorrada

Conta-nos quantas joldras saíam a cantar
As janeiras e os reis
E quantas filhós e copos de medronho conviviam
Com o alforge na recolha dos molhes e farinheiras
E quantas eram as bebedeiras
Conta-nos também de outras bebedeiras
Que seguravam os pendões na procissão
Da quinta feira nas  endoenças

Relembra-nos os tempos
Em que as paredes eram pequenas
Mas as casas eram grandes na sua alma

E tu viste isso tudo
E agora que te vais
E levas muito deste povoado
Morre de pé
Que é como as árvores centenárias devem morrer
E deixa-nos a tua memória toda





ESTES SÃO OS FILHOS DE ABRIL

Mil vivas mil gentes
flores que já desabrocham                          
alvorada de sementes                                   
de cravos que são esperança                        
em manhã primaveril                                   
e nas mãos de uma criança 
florescem mil a mil.

Mil dedos mil mãos
mil cravos mil irmãos
são o crescer dia a dia
são o povo todo inteiro 
são o mundo que fugia
no seu país verdadeiro.

Nos cravos que os filhos trazem
mil bocas mil pombas 
mil esperanças no que fazem.

Nas fábricas e nos trigais
cravos mil muitos mil
como canções madrigais 
neste jardim Portugal
são o futuro
são Abril
num renascer imortal.

São a vida em país novo
são os cravos mil a mil
são os filhos deste povo
deste povo que é Abril.

Fernando Reis Luís, in TEIA, www.arandiseditora.pt





22 - TEMPO DE ESCOLA

A memória murcha no tempo
Das palavras repetidas
Das seis reguadas
E três ponteiradas
Trauteadas
Como os números da tabuada
Em lengalenga
Cantarolada todos os dias da semana
De manhã e de tarde

De fio a pavio
    Quatro e quatro oito
    Um biscoito
    Oito berlindes à “marezinha”
    Oito bonecos da bola à “palmadinha”

De trás para diante
    Duas vezes cinco dez
    É à vez
    Dez botões à “paredinha”
    Dez voltas ao “pé-coxinho”
    Dez marcas ao “poialinho”

Da frente para trás
    Cinco vezes dois dez
    E à “covinha” buto que se veja
    E estalo que se ouça

O regime do medo
    O som do ponteiro
    Ao canto o degredo
    As orelhas de burro
    A régua dura
    O ensino da ditadura

E o tempo a passar
   A recontar
      Duas vezes três seis
   A repetir
      Duas vezes três seis
   A trautear
      Oito e oito dezasseis

E lá chega a hora
Do recreio na eira
   A lançar o ring
   A menina do senhor doutor
   A  saltar à corda
      A Rosa da Toina e a moça da Benta
   E ao “apanha”
      O Zé da boina e o Patinha
   E ao “toca e foge”
      O Luís da canita e o Zé da Sanita
   E a “pular à uva” 
      O Broa e o Papa Açorda
   
   E ao pião “à nicada”
      O Biji-bitó o Ratinho e o Maló
   E nas macacadas o Xico Caretas
   A parodiar o Manel das Bufas Pretas

E toca a sineta

No regresso à tormenta
De novo a ardósia
Mil vezes usada
Ensebada e requebrada
Com lápis de pedra
   Mais uma vez a tabuada
     Duas vezes dois quatro
   Sem enganar
     Duas vezes dois quatro

E repetir

E repetir

E repetir.

24.02.02    
      


ASTRO REI

Só sei viver de frente para o sol
E abrir caminhos para a voz
Aqui nas veredas da serra

Só sei seguir os quadrantes
Para chegar a novas madrugadas
Tentando esquecer as noites

Cavalgo os pesadelos
E na manhã voltarei
Para ser como o girassol



PALHAÇO 304

Nasci do campo e da seara
Fizeram-me de palha
Vestiram-me de roupa às riscas
Como o forro do colchão
De outros corpos

Nasci listado longo e bizarro
Como a fantasia do riso

Fizeram-me para fazer rir
Mas eu também sei amar 
E chorar
Não sou apenas um títere
Movido por cordéis e engonços
Nem a minha cabeça é apenas um topete
Não sou apenas a pargana e a farsa
Dum espantalho sem alma
Não sou apenas um bobo em pantominas
Ou um fantoche manipulado

Sou um corpo atrás da máscara
E do meu sangue mesclado
Faço o diapasão dos risos
Não sou apenas a máscara
Nem as suas cores berrantes
Que me fazem extravagante
Absurdo
Melancólico 
Bufão
Provocador
Mendigo
Desajeitado
Vagabundo
Desastrado 
mímico 
inoportuno

eu sou a liberdade
eu sou a anarquia

eu sou o mundo dos sonhos infantis
que existiu nos reis e nos nobres
que me deram vida há milénios
desde o velho Egito dos faraós
desde a mitológica Grécia dos diversos deuses
desde a Roma dos césares conquistadores
ou desde a China dos imperadores
que sinto as multidões
e sou o centro da arena

mas tantos olhos me mirando
nunca perceberam que tenho uma cara
como todos eles
por detrás da máscara
e do alvaiade da maquilhagem
que detrás dos meus grandes olhos
eu também tenho olhares
que para além dum grande nariz de beberrão
eu também tenho cheiro e bebo
que para além de uma grande boca
eu também tenho fome

agora a arena ficou vazia
sem risos e sem aplausos

o místico caleidoscópio
que é o circo colorido
é apenas branco
como o meu tempo
e hoje estou só
na ausência do sortilégio do palhaço
sou apenas eu
e a espiral implacável do palco
do meu chão giratório
e do meu choro
na minha palidez sem tintas
porque não sou capaz de vestir outras roupas
para além da minha pele
nem sou capaz de me fazer rir
gastei todos os sorrisos com os outros
e nada guardei nesta deriva
nem um só arrebatamento de riso
nos meus lábios verdadeiros
para gastar comigo
em frente do véu do espelho
que vou atravessar
para me encontrar em mutação
por dentro da quimera da montanha.

6/5/2013



MERCADOR DE SONHOS 

Já não sou a horizontal simetria do silêncio
Ou as palavras acromáticas
Nas margens simbiontes 
Dum riacho inquieto fazendo o espaço
Na pulsão da alma e das árvores

Já não sou o sangue vagabundo
Ou a água que o partilha correndo
No meu leito salino de busca do infinito
Ou a distância das pulsações
Na trajetória na minha matéria efémera
De movimento pendular e perpétuo
Gastando o tempo 
No ritual instintivo da cadeia dos sentidos

Já não sou o esboço intemporal
Da contínua evaporação
Nublando o sol latejante
Ou a demanda dos antípodas
Como exílio mineral oculto
Da difusa luz arcana
Que faz a noite e as silhuetas
Habitando a minha sombra
No percurso pelos poros e pela medula

Já não sou a fúria diluindo a tarde 
Na distância dos gestos
Ou um barco à bolina 
Na infusão do nevoeiro e das penumbras 
Em alternativa dos vultos

Agora como o vapor da água
Sou do tamanho dos sonhos
Sob as pálpebras monótonas
Faço repetir o calor na manhã
Tateando cada lugarejo de ilutação
Para prolongar os instantes

Vou partindo movediço 
Nas calenas das ondas
E nas leivas incertas dos mares
Vou buscando uma ilha eremita
Ignorando que só os olhos a alcançam
Vou circum-navegando o espaço
Como velho lobo-do-mar
Redescobrindo o próprio corpo à deriva

Agora sou vagamundo
Em desconstrução da minha carne em fiapos 
Sobrante da amplitude dos segredos
E tento renovar a luminosidade das cinzas
Fundeando a nudez na convergência do chão



DANÇANDO COM AS BARCAS 

Agarro todos os sons libertos das marés
E rumo ao sul 
Guiado pelo sol e pelo fado

Aceito o sopro de todos os ventos 
Nas asas da minha nau 
E do meu corpo embalado
Na liberdade das aves marinhas
Que são donas de todos os mares
E das atalaias 
De todos os portos ancoradouros

Como se fossem sons de uma guitarra
Dedilho o cordame dos mastros
E com a música misturada no vento
Faço as voláteis manhãs
Como fazem as gaivotas 
Dançando
Com as barcas 
E as velas de lona

Desfaço as mágoas que trago como lastro
E assim resisto 
Às rotas contrárias
Mutando os açoites das ventanias
No bronze salgado 
Que me faz o rosto



PASTOR DE VENTOS 

Imune ao tempo que passa de raspão
Como o sol que se move lentamente para oeste
Sou pastor de ventos
Esfarrapados como as gualdrapas
Do meu capote de remendos e fiapos

Ao todo
Terei um rebanho de mil brisas
E mil nimbos
Em pastagens de vários quadrantes
Montanhas e lezírias
Que diviso de todos os azimutes
No meu lugar imago
De socalcos e rosmaninhos

Vagueio os olhos
Sitibundos pelos medronhais
Perdido nos impulsos dos instintos
Ouvindo os sons gemelgos
Das gaitas e flautas dos sopros do ar
Atraindo musas insondáveis
Que cantem comigo
As palavras
Criadas no vento                




ALQUIMIA DAS METÁFORAS


Só os poetas livres
Detêm a arte alquimica
Para fabricar o ouro das palavras



PROÉMIO

Escolho as palavras dos poemas
Adrede no espaço dos pátios da mente
Ou talvez não seja assim
E sejam as palavras a vir ao encontro
Das ideias avulsas transitadas
Adentro dos catalisadores dos sonhos

Atravesso a luz e as sombras
Nos ventos de inquietação dos tempos
E da sua simetria nas águas 
Decalcando o rosto no chão
Para burilar as ardósias da memória
Adrede na resina das claves
Das palavras dos poemas



EQUAÇÃO ALQUIMICA

Como renovador da vida
O AR
É o corpo mais o tempo
Na energia dos arquétipos do FOGO
Transmutando as sombras em luz
Como reações alquímicas
Catalisadas pelo sangue e pelos sonhos

E como tudo se transforma
A matéria não se esgota
Nas emoções do chão
Em metamorfose da TERRA
E dos impulsos dos corpos e das almas
De gente passando depressa

E a vida 
Filha da correnteza da ÁGUA sob as pontes
Diluirá os resíduos dos cadinhos
Como pós restando de nós
Em desequilíbrio nas retortas
Para fazer o éter da memória na POESIA
Como quinto elemento filosofal
Da fluidez das pedras do tempo



ALQUIMIA DAS PALAVRAS

O diamante
Não nasce facetado
Para refratar a luz

O ouro
Não é brilho de joias
Antes da arte do fogo

A terra
Não é chão arado
Sem o labor das mãos

O fogo
Não é chama e calor
Sem os beijos do sol

A voz
Não será poema partilhando a música
Sem a alquimia das palavras



A META É A MEMÓRIA

Partilhamos as letras
Através da poesia
E com ela construímos
Coisas simples no coração

Nas vias que o tempo
Oferece sobre o chão e o ar
Os olhos caminham
À frente do corpo

A meta é a memória
Que resta dos dias
Esboçando rostos nos espelhos
Para se evadirem nas noites





                        Escrever é respirar por instinto 
E reaparecer nos arcos da voz
Fazendo da palavra a hipótese para o verso



Os versos são palavras escritas
Com as tintas dos ventos
Sobre os instantes da pele




O mundo é o homem 
Em transição no espaço 
E desencontros solares



LUGAR DE SILÊNCIOS

Avesso aos vultos dos astros
Nego os artifícios dos sulcos nos labirintos
E habito verticalmente a quietude
Como refúgio durável de eremita

Na tribuna de lugar de silêncios
Faço o húmus da razão possível
E os gestos levados em flautas do tempo
Como os voos no rumo do corpo

Nas telas mitológicas dos afluentes do espaço
Reacendo a geometria das constelações
Na companhia do escuro das noites
E nas margens da manhã seguinte
Sigo a magia das jangadas da lua 
E das esporas do tempo
Em mutação efémera de relógios de sol



DUNAS GÉMEAS 

O vento soprará suave
Como manancial de perfumes
Espalhados em dunas gémeas

As mãos cúmplices da carne
Buscarão a terra enganadora
Como areia na ampulheta do corpo

A luz roubará as espirais do tempo
Em fogo nos lábios encontrados
No fulgor dos casulos dos rituais da noite

E a mente nos seus labirintos
Fará o delírio dos ecos do sangue
Nas tentações das miragens no deserto




NAS ALCATEIAS DOS VENTOS

O dilema do rumor das metáforas
Faz-se como o sumo de limão
Espremendo o esboço da alma
Um pouco para além do disfarce
Da máscara da razão das coisas

Depois a voz latente
Poderá não chegar a ser eco
E ser apenas o ruído das bigornas
Restando do poente dos gritos 
Capazes de agitar o corpo
Nos esteiros dos dilemas da mente
Levando-me nas alcateias dos ventos




ÍMPETO

Do cio das luzes no alvor 
As orbitais dos pés descalços
Ficam suspensas em tangentes na areia
Até que a rasoira das franjas do vento
As estilhacem nos subúrbios das dunas

Depois seguirei furtivo nas miragens
Para o vácuo das aragens do deserto

Aí abrirei sulcos pedonais
No tear da areia dançando
Em estilhaços nos lábios
Retornando ao ventre de virtuais oásis
Renovados no ímpeto do corpo à deriva no vento




NOVOS VOOS

Será que poderemos caminhar descalços
Sem o credo das bússolas mirando as torres
E ir e vir em ondas e ventos
Do mar para a terra
Do chão para a água
Sem encontrar deuses e duendes
Medos e máscaras?

E ouvir apenas a música
Dos ribeiros correndo nas pedras soltas
E os ventos ritmados nos ecos
Por entre as frestas das florestas

Será que o sopro nos canais dos dias
Entenderá a luz solar livre das nuvens
E que os reflexos lunares na noite
Apascentam o sono das aves agoirentas
Esperando os novos voos da alvorada?




O CHÃO

O chão é um espelho curvo e turvo
Onde o cristal é vidro fosco
Que se quebra pouco a pouco
Em mistura de objetos e imagens

Talvez possamos penetrá-lo
Como corpo material e fátuo
Ou como alma em simetria volátil
Na simbiose silvestre dos verdes da vida
Mediando os negros das noites ascetas

O chão descende das raízes em criação
Feitas da seiva imarcescível de miragens
Em câmbios com o ar e o sangue latejante

No chão descobrimos impulsos dos frutos 
Ou o altar onde se fazem magias
Na metamorfose dos sonhos
Transformados em máscaras de pedra
No poente da aragem do pó




PÓLEN 

Inseto errante e alígero 
Em rituais difusos na paleta
Desfazendo meadas na pujança do ar

Leva-me contigo em voragem
Pelos caminhos pendulares do espaço
Na amplitude das áleas do vento

Leva-me contigo em voo sem retorno
E deixa-me cair em vertigem
Nos meandros dos redutos dos carpelos

Como se eu fosse ritual de vida
Esperando os lampejos da fecundação
Do pólen latejante nos porões do ar




DISPERSÃO

Na clepsidra coleante do corpo 
As espirais descendentes
Da gravitação espacial
Esgotam o sangue e o sol

Dispersam o tempo no dilema do chão
Como se fosse lugar de sementes 
Ou caminhos de sombras e lume
Em rituais de mutações de relâmpagos

Na ilusão zenital do teatro dos dias
A substância do corpo cai a prumo
Abrindo as cancelas à reflexão do tempo

Na depuração os palcos dos abismos do chão
Convergem na carne e no sol
Em relógios de água e sangue
Em binómios de gente passando
Como matéria fluindo no ar




DANÇA DE AVES

Passaram os estorninhos no estio
Volteando híbridos nas formas
Como réplicas de espelhos
Em parábolas de miragens
Na mediação da dança do vento

Rituais de almas apoderadas
Num palco de tela surrealista
Fazendo a geometria dos sortilégios do céu

Renovação de esboços de rituais gentios 
Como sombras em danças tribais
No mimetismo dos olhares em festim
Cambiante em alcatruzes 
E voos em arenas dos abismos celestes




RASTILHOS

Em ponto e contraponto de impulsos
Corre sobre as nesgas da pele áspera
Um cavalo em galope fugaz
Fugindo de mim na aragem

Sigo o seu ínvio rumo de voragem
Em passo sobre passo
Enquanto posso nesta safra
De seguir em simbiose
Tentando manter o ritmo selvagem 
Da dança orbital com a ventania
Enlaçando nos braços um cavalo alado
Para prolongar os rastilhos da mente
Como semente
No tempo vegetal





TORNADOS

Partimos diluídos nos módulos da paisagem
Esquecendo os medos das galáxias
E dos estigmas das ruas noturnas

Terminamos sequiosos nos becos 
Em insónias continuadas nos bares
Imitando centopeias sobre o corpo

Atravessamos a gândara de espelhos
No brilho encostado aos olhos
Entre as fendas do breu no espaço

Penetramos os corredores da mente
Abrindo constelações de poeira
Fluindo dos restos do corpo

E na cal apagada do legado do chão
Se faz a matéria dos esteios da alma
Desconstruímos o vazio do céu na noite



PONTO DE ENCONTRO

Não é fácil
Continuar a esperar 
Que os amigos voltem 
Duma viagem sem fim

É assim que percebemos
Que o infinito
É o supremo destino
Do corpo voando nas nuvens

As pegadas que ficam marcadas no chão
Servirão o aço da memória
Continuando outra espera
Num lugar de sementes
Libertadas nas montanhas de origem
Como próximo ponto de encontro






Seguindo as sombras do corpo
Corro o risco de passar 
A ser a própria sombra no chão


II – TERRA


A poesia são os sulcos de sangue
Deixados pelas arestas das palavras
Na plasticidade da terra



Na vertigem do sol
O vórtice do movimento
Aponta teimosamente para o chão



NA VERTIGEM

O corpo existe na nudez das vertigens
Como momentos latejantes de refúgio
De um espaço em périplo sobre a pele

Rente à resina do chão
Transmutado em cal
Partilho o cenário do espaço finito
E os lampejos que sobram dos códigos da lua

Nos terraços da servidão das noites
Os ímpetos do cio das estrelas
Fazendo os esboços do corpo 
São a nudez etérea dos teares dos sonhos
Como despojos de lua minguante
No vazio dos diapasões 
Da vivência das frestas dos céus
Onde os olhos têm o poder
Alquímico das almas



EU TINHA UMA MONTANHA

Cada um terá sempre segredos
Guardados em baús na montanha
Idolatrada como o próprio sangue
Que lhe vem da terra

Apenas a voz livre
Será chave para abrir
Os seus mananciais de água
E os verdes caminhos
Levando os olhos
A ser olhares para além da floresta



NASCIDOS DO CHÃO

Lavro o papel pardo e inerte
Com o arado cunhando a voz
Bolinada nas leiras das lezírias
E até chegar à terra nua e virgem
Farei figas pelos pátios dos caminhos
Confirmando os desígnios místicos 
Dos elos do chão e da voz
Como lugar íntimo dos ecos
E vestígios dos ingredientes do pó
Levado na fúria dos sopros rasantes ao à pele

Assim reconstruo a seiva das palavras
E a hulha que será seu fogo e força
Na forja do novelo dos dias 
Fazendo a têmpera do aço ressoar
Destes versos nascidos dos vetores do chão



DO LADO DE CÁ 

Fechei os olhos na neblina
E parti a tato
Como se o espaço místico
Que me restou na retina
Fosse a minha câmara escura
Incorporada em todos os quadrívios
Das imagens difusas do lenho
Na fornalha dos fluxos da medula

Parti cadenciando os passos
Nas tangentes que se ofereciam
Na escuridão da incerteza do tempo 

Senti a distância como matéria volátil
Que se esvai na neblina dos dias

Senti que a teia das sombras é ressonância
Como utopia da luz desvendável
No lado de cá do espelho alucinado
Onde o pó se deposita como chão raso
Terminando a reflexão do sol



IDA E VOLTA

A ida e a volta são vertentes cíclicas 
Do mesmo balouçar no fulcro
Onde tudo acontece no meu sangue móvel
Em pontos de partida e de chegada
Como trens entre o nascente e o poente
Empenhados na busca dos tuneis da luz

Os espinhos que encontramos nos caminhos
São códigos nos labirintos do vento
Mostrando a vivência do rumo
Para os pés andarilhos de romeiros
Contrariando a força da gravidade



NAS FENDAS DO CORPO

Nas fendas dos redutos do corpo
Escondo o escuro das noites
E sigo sem me importar com os astros
E os enganos nos altares dos caminhos
As pálpebras escondem os postigos dos olhos
Para não ser vistos por dentro
Mas permitindo ver pelas fissuras
O curso da liturgia dos ímpetos do sol
Seduzindo as encostas
Para coito da luz e das sombras
Amancebadas em germinação dos dilemas
Das sinfonias dos caprichos dos dias
Em fusão nos realejos dos instantes











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