FERNANDO REIS LUÍS
Fernando Reis Luís, nació en Monchique, Portugal el 22.1.1945. Licenciado en Gestión Bancaria. Ejerció las profesiones de profesor, bancario y delegado distrital de Protección Civil. Se inició en la escritura publicando cuentos y poemas, aún muy joven, en el "Juvenil", suplemento semanal del "Diario de Lisboa".
Escribió para diversos periódicos y revistas, fue corresponsal del Diario de Noticias y colaborador del diario “Barlavento” y de las revistas “Florestas”, “Prevenir” e “Protecção Civil”.
Muy ligado al asociativismo fue fundador e impulsor de diversas asociaciones ligadas al deporte, a la cultura, a los bomberos y a la política. Después del 25 de abril, fue candidato a la Asamblea Constituyente y fue elegido diputado a la Asamblea de la República en las primeras elecciones legislativas.
Su poesía se encuentra publicada en los libros “Teia”, “A Seiva das Palavras” , “Nos Socalcos da Serra”, “Marés & Maresias” , “Trezentos e Trinta e Três Tercetos”, ”Ipsis Verbis” e “Alquimia das Metáforas”. Figura en la Antología Poética “O Trabalho”, en la colección de poetas algarvios “Terra Luz” e “Palavras de Liberdade” y en la colección "Mesturas", publicada en España.
Fernando Reis Luís, nasceu em Monchique, Portugal em 22.1.1945. Licenciado em Gestão Bancária. Exerceu as profissões de professor, bancário e delegado distrital da Protecção Civil. Iniciou-se na escrita publicando contos e poemas, ainda muito jovem, no “Juvenil”, suplemento semanal do “Diário de Lisboa”.
Escreveu para diversos jornais e revistas, tendo sido correspondente do Diário de Notícias e colaborador do jornal “Barlavento” e das revistas “Florestas”, “Prevenir” e “Protecção Civil”.
Muito ligado ao associativismo foi fundador e impulsionador de diversas associações ligadas ao desporto, à cultura, aos bombeiros e à política. Após o 25 de Abril, foi candidato à Assembleia Constituinte e foi eleito deputado à Assembleia da República, nas primeiras eleições legislativas.
A sua poesia encontra-se publicada nos livros “Teia”, “A Seiva das Palavras” , “Nos Socalcos da Serra”, “Marés & Maresias” , “Trezentos e Trinta e Três Tercetos”, ”Ipsis Verbis” e “Alquimia das Metáforas”. Figura na Antologia Poética “O Trabalho”, na coletânea de poetas algarvios “Terra Luz” e “Palavras de Liberdade” e na coletânea “Mesturas”, publicada em Espanha.
POETAS ALGARVIOS
SEM FIM
Eu,
aqui presente
sou o papel
que tudo consente.
Tenho qualquer cor
Pluripartidário
sou do doutor
do professor
do ditador
do vigário.
E faço de artista
malabarista.
Sou tempo
sou calendário
sou cartaz
escrevem-me Paz
e lançam-me à terra
no lixo
e na guerra.
Um dia, talvez, serei alimento.
Sou certidão de óbito
e de nascimento
sou o divórcio e o casamento.
E neste andamento
sou
o moinho de vento
para a criança
e sem parar
sempre em andança
sou a escola
sou a bola
sou avião para brincar
sou passarinho sempre a voar.
E para ti
sou confetti
sou serpentina
no Carnaval.
Sou cartão e cartolina.
Sou apontamento nota notícia
Sou revista jornal
panfleto
do fascista e do comunista.
Sou anarquista.
Dou ordens ao governador
ao patrão
e ao trabalhador.
Sou livro
Romance poema fotografia
Sou corpo nu.
Limpo o cu em cada dia
Não sou pedante
sendo importante.
Conheço a letra e os segredos
de todo o mundo.
Sou selo envelope cartas de amor
e cartas de jogar
Sou a sorte e a fortuna
Leio a sina
Sou etiqueta mala maleta
Tela pala paleta
E sem gratidão e apelo
Sou fogo na lareira
sou cinza
sou pó poeira poalha
sou chão e sou mortalha.
E já imundo
suado sujo
não reformado nem amado
deixo este mundo.
Sou triturado reduzido misturado
sem compaixão
sou mal tratado diluído reciclado
sou transformado
mata-borrão
sou canelado
restaurado continuado
sou papelão
sou caixa
sou caixote
sou caixão.
Enfim
Sem fim.
In: “Teia”, Arandis Editora
MAGNÓLIA
Agora que te vais
Que contas tu
Dos beijos que se deram
Na tua sombra
Que contas tu
Dos abraços que se deram
Para sentir a tua dimensão
Que nos relembras de outros tempos franciscanos
Que viste
Que sentiste
Do alto da tua copa
Mirando todo o povoado
Que nos contas tu
Sobre as casas e as ruas estreitas
E os socalcos cavados na montanha
Para desbravar o chão
E fazer crescer os pomares de macieiras
e os campos e os olhares
Que nos relembras das danças nas eiras
E dos cantares ecoados nos vales
Para alentar os almocreves vencendo
Os caminhos pedregosos
No transporte das madeiras
Da cortiça
E da aguardente de medronho
Conta-nos como os serranos
Se vestiam ao domingo
E ornamentavam as ruas com rosmaninho
Para passar a procissão
Conta-nos como se juntavam nas madrugadas
Apanhando a espiga de trigo
E o ramo da oliveira
Conta-nos como era grande a feira
E muito o gado
Quantos eram os saltimbancos
E os trovadores cantando as desgraças
Conta-nos se alguma vez
Os vendedores de banha da cobra fizeram um milagre
Ou se uma sina lida pelas ciganas bateu certo
Ou como eram boas as bolotas torradas e o torrão de alicante
E divertido entar nas coloridas barracas
Dos espelhos curvos
Ou dos bonecos da cachamorrada
Conta-nos quantas joldras saíam a cantar
As janeiras e os reis
E quantas filhós e copos de medronho conviviam
Com o alforge na recolha dos molhes e farinheiras
E quantas eram as bebedeiras
Conta-nos também de outras bebedeiras
Que seguravam os pendões na procissão
Da quinta feira nas endoenças
Relembra-nos os tempos
Em que as paredes eram pequenas
Mas as casas eram grandes na sua alma
E tu viste isso tudo
E agora que te vais
E levas muito deste povoado
Morre de pé
Que é como as árvores centenárias devem morrer
E deixa-nos a tua memória toda
ESTES SÃO OS FILHOS DE ABRIL
Mil vivas mil gentes
flores que já desabrocham
alvorada de sementes
de cravos que são esperança
em manhã primaveril
e nas mãos de uma criança
florescem mil a mil.
Mil dedos mil mãos
mil cravos mil irmãos
são o crescer dia a dia
são o povo todo inteiro
são o mundo que fugia
no seu país verdadeiro.
Nos cravos que os filhos trazem
mil bocas mil pombas
mil esperanças no que fazem.
Nas fábricas e nos trigais
cravos mil muitos mil
como canções madrigais
neste jardim Portugal
são o futuro
são Abril
num renascer imortal.
São a vida em país novo
são os cravos mil a mil
são os filhos deste povo
deste povo que é Abril.
Fernando Reis Luís, in TEIA, www.arandiseditora.pt
22 - TEMPO DE ESCOLA
A memória murcha no tempo
Das palavras repetidas
Das seis reguadas
E três ponteiradas
Trauteadas
Como os números da tabuada
Em lengalenga
Cantarolada todos os dias da semana
De manhã e de tarde
De fio a pavio
Quatro e quatro oito
Um biscoito
Oito berlindes à “marezinha”
Oito bonecos da bola à “palmadinha”
De trás para diante
Duas vezes cinco dez
É à vez
Dez botões à “paredinha”
Dez voltas ao “pé-coxinho”
Dez marcas ao “poialinho”
Da frente para trás
Cinco vezes dois dez
E à “covinha” buto que se veja
E estalo que se ouça
O regime do medo
O som do ponteiro
Ao canto o degredo
As orelhas de burro
A régua dura
O ensino da ditadura
E o tempo a passar
A recontar
Duas vezes três seis
A repetir
Duas vezes três seis
A trautear
Oito e oito dezasseis
E lá chega a hora
Do recreio na eira
A lançar o ring
A menina do senhor doutor
A saltar à corda
A Rosa da Toina e a moça da Benta
E ao “apanha”
O Zé da boina e o Patinha
E ao “toca e foge”
O Luís da canita e o Zé da Sanita
E a “pular à uva”
O Broa e o Papa Açorda
E ao pião “à nicada”
O Biji-bitó o Ratinho e o Maló
E nas macacadas o Xico Caretas
A parodiar o Manel das Bufas Pretas
E toca a sineta
No regresso à tormenta
De novo a ardósia
Mil vezes usada
Ensebada e requebrada
Com lápis de pedra
Mais uma vez a tabuada
Duas vezes dois quatro
Sem enganar
Duas vezes dois quatro
E repetir
E repetir
E repetir.
24.02.02
ASTRO REI
Só sei viver de frente para o sol
E abrir caminhos para a voz
Aqui nas veredas da serra
Só sei seguir os quadrantes
Para chegar a novas madrugadas
Tentando esquecer as noites
Cavalgo os pesadelos
E na manhã voltarei
Para ser como o girassol
PALHAÇO 304
Nasci do campo e da seara
Fizeram-me de palha
Vestiram-me de roupa às riscas
Como o forro do colchão
De outros corpos
Nasci listado longo e bizarro
Como a fantasia do riso
Fizeram-me para fazer rir
Mas eu também sei amar
E chorar
Não sou apenas um títere
Movido por cordéis e engonços
Nem a minha cabeça é apenas um topete
Não sou apenas a pargana e a farsa
Dum espantalho sem alma
Não sou apenas um bobo em pantominas
Ou um fantoche manipulado
Sou um corpo atrás da máscara
E do meu sangue mesclado
Faço o diapasão dos risos
Não sou apenas a máscara
Nem as suas cores berrantes
Que me fazem extravagante
Absurdo
Melancólico
Bufão
Provocador
Mendigo
Desajeitado
Vagabundo
Desastrado
mímico
inoportuno
eu sou a liberdade
eu sou a anarquia
eu sou o mundo dos sonhos infantis
que existiu nos reis e nos nobres
que me deram vida há milénios
desde o velho Egito dos faraós
desde a mitológica Grécia dos diversos deuses
desde a Roma dos césares conquistadores
ou desde a China dos imperadores
que sinto as multidões
e sou o centro da arena
mas tantos olhos me mirando
nunca perceberam que tenho uma cara
como todos eles
por detrás da máscara
e do alvaiade da maquilhagem
que detrás dos meus grandes olhos
eu também tenho olhares
que para além dum grande nariz de beberrão
eu também tenho cheiro e bebo
que para além de uma grande boca
eu também tenho fome
agora a arena ficou vazia
sem risos e sem aplausos
o místico caleidoscópio
que é o circo colorido
é apenas branco
como o meu tempo
e hoje estou só
na ausência do sortilégio do palhaço
sou apenas eu
e a espiral implacável do palco
do meu chão giratório
e do meu choro
na minha palidez sem tintas
porque não sou capaz de vestir outras roupas
para além da minha pele
nem sou capaz de me fazer rir
gastei todos os sorrisos com os outros
e nada guardei nesta deriva
nem um só arrebatamento de riso
nos meus lábios verdadeiros
para gastar comigo
em frente do véu do espelho
que vou atravessar
para me encontrar em mutação
por dentro da quimera da montanha.
6/5/2013
MERCADOR DE SONHOS
Já não sou a horizontal simetria do silêncio
Ou as palavras acromáticas
Nas margens simbiontes
Dum riacho inquieto fazendo o espaço
Na pulsão da alma e das árvores
Já não sou o sangue vagabundo
Ou a água que o partilha correndo
No meu leito salino de busca do infinito
Ou a distância das pulsações
Na trajetória na minha matéria efémera
De movimento pendular e perpétuo
Gastando o tempo
No ritual instintivo da cadeia dos sentidos
Já não sou o esboço intemporal
Da contínua evaporação
Nublando o sol latejante
Ou a demanda dos antípodas
Como exílio mineral oculto
Da difusa luz arcana
Que faz a noite e as silhuetas
Habitando a minha sombra
No percurso pelos poros e pela medula
Já não sou a fúria diluindo a tarde
Na distância dos gestos
Ou um barco à bolina
Na infusão do nevoeiro e das penumbras
Em alternativa dos vultos
Agora como o vapor da água
Sou do tamanho dos sonhos
Sob as pálpebras monótonas
Faço repetir o calor na manhã
Tateando cada lugarejo de ilutação
Para prolongar os instantes
Vou partindo movediço
Nas calenas das ondas
E nas leivas incertas dos mares
Vou buscando uma ilha eremita
Ignorando que só os olhos a alcançam
Vou circum-navegando o espaço
Como velho lobo-do-mar
Redescobrindo o próprio corpo à deriva
Agora sou vagamundo
Em desconstrução da minha carne em fiapos
Sobrante da amplitude dos segredos
E tento renovar a luminosidade das cinzas
Fundeando a nudez na convergência do chão
DANÇANDO COM AS BARCAS
Agarro todos os sons libertos das marés
E rumo ao sul
Guiado pelo sol e pelo fado
Aceito o sopro de todos os ventos
Nas asas da minha nau
E do meu corpo embalado
Na liberdade das aves marinhas
Que são donas de todos os mares
E das atalaias
De todos os portos ancoradouros
Como se fossem sons de uma guitarra
Dedilho o cordame dos mastros
E com a música misturada no vento
Faço as voláteis manhãs
Como fazem as gaivotas
Dançando
Com as barcas
E as velas de lona
Desfaço as mágoas que trago como lastro
E assim resisto
Às rotas contrárias
Mutando os açoites das ventanias
No bronze salgado
Que me faz o rosto
PASTOR DE VENTOS
Imune ao tempo que passa de raspão
Como o sol que se move lentamente para oeste
Sou pastor de ventos
Esfarrapados como as gualdrapas
Do meu capote de remendos e fiapos
Ao todo
Terei um rebanho de mil brisas
E mil nimbos
Em pastagens de vários quadrantes
Montanhas e lezírias
Que diviso de todos os azimutes
No meu lugar imago
De socalcos e rosmaninhos
Vagueio os olhos
Sitibundos pelos medronhais
Perdido nos impulsos dos instintos
Ouvindo os sons gemelgos
Das gaitas e flautas dos sopros do ar
Atraindo musas insondáveis
Que cantem comigo
As palavras
Criadas no vento
ALQUIMIA DAS METÁFORAS
Só os poetas livres
Detêm a arte alquimica
Para fabricar o ouro das palavras
PROÉMIO
Escolho as palavras dos poemas
Adrede no espaço dos pátios da mente
Ou talvez não seja assim
E sejam as palavras a vir ao encontro
Das ideias avulsas transitadas
Adentro dos catalisadores dos sonhos
Atravesso a luz e as sombras
Nos ventos de inquietação dos tempos
E da sua simetria nas águas
Decalcando o rosto no chão
Para burilar as ardósias da memória
Adrede na resina das claves
Das palavras dos poemas
EQUAÇÃO ALQUIMICA
Como renovador da vida
O AR
É o corpo mais o tempo
Na energia dos arquétipos do FOGO
Transmutando as sombras em luz
Como reações alquímicas
Catalisadas pelo sangue e pelos sonhos
E como tudo se transforma
A matéria não se esgota
Nas emoções do chão
Em metamorfose da TERRA
E dos impulsos dos corpos e das almas
De gente passando depressa
E a vida
Filha da correnteza da ÁGUA sob as pontes
Diluirá os resíduos dos cadinhos
Como pós restando de nós
Em desequilíbrio nas retortas
Para fazer o éter da memória na POESIA
Como quinto elemento filosofal
Da fluidez das pedras do tempo
ALQUIMIA DAS PALAVRAS
O diamante
Não nasce facetado
Para refratar a luz
O ouro
Não é brilho de joias
Antes da arte do fogo
A terra
Não é chão arado
Sem o labor das mãos
O fogo
Não é chama e calor
Sem os beijos do sol
A voz
Não será poema partilhando a música
Sem a alquimia das palavras
A META É A MEMÓRIA
Partilhamos as letras
Através da poesia
E com ela construímos
Coisas simples no coração
Nas vias que o tempo
Oferece sobre o chão e o ar
Os olhos caminham
À frente do corpo
A meta é a memória
Que resta dos dias
Esboçando rostos nos espelhos
Para se evadirem nas noites
Escrever é respirar por instinto
E reaparecer nos arcos da voz
Fazendo da palavra a hipótese para o verso
Os versos são palavras escritas
Com as tintas dos ventos
Sobre os instantes da pele
O mundo é o homem
Em transição no espaço
E desencontros solares
LUGAR DE SILÊNCIOS
Avesso aos vultos dos astros
Nego os artifícios dos sulcos nos labirintos
E habito verticalmente a quietude
Como refúgio durável de eremita
Na tribuna de lugar de silêncios
Faço o húmus da razão possível
E os gestos levados em flautas do tempo
Como os voos no rumo do corpo
Nas telas mitológicas dos afluentes do espaço
Reacendo a geometria das constelações
Na companhia do escuro das noites
E nas margens da manhã seguinte
Sigo a magia das jangadas da lua
E das esporas do tempo
Em mutação efémera de relógios de sol
DUNAS GÉMEAS
O vento soprará suave
Como manancial de perfumes
Espalhados em dunas gémeas
As mãos cúmplices da carne
Buscarão a terra enganadora
Como areia na ampulheta do corpo
A luz roubará as espirais do tempo
Em fogo nos lábios encontrados
No fulgor dos casulos dos rituais da noite
E a mente nos seus labirintos
Fará o delírio dos ecos do sangue
Nas tentações das miragens no deserto
NAS ALCATEIAS DOS VENTOS
O dilema do rumor das metáforas
Faz-se como o sumo de limão
Espremendo o esboço da alma
Um pouco para além do disfarce
Da máscara da razão das coisas
Depois a voz latente
Poderá não chegar a ser eco
E ser apenas o ruído das bigornas
Restando do poente dos gritos
Capazes de agitar o corpo
Nos esteiros dos dilemas da mente
Levando-me nas alcateias dos ventos
ÍMPETO
Do cio das luzes no alvor
As orbitais dos pés descalços
Ficam suspensas em tangentes na areia
Até que a rasoira das franjas do vento
As estilhacem nos subúrbios das dunas
Depois seguirei furtivo nas miragens
Para o vácuo das aragens do deserto
Aí abrirei sulcos pedonais
No tear da areia dançando
Em estilhaços nos lábios
Retornando ao ventre de virtuais oásis
Renovados no ímpeto do corpo à deriva no vento
NOVOS VOOS
Será que poderemos caminhar descalços
Sem o credo das bússolas mirando as torres
E ir e vir em ondas e ventos
Do mar para a terra
Do chão para a água
Sem encontrar deuses e duendes
Medos e máscaras?
E ouvir apenas a música
Dos ribeiros correndo nas pedras soltas
E os ventos ritmados nos ecos
Por entre as frestas das florestas
Será que o sopro nos canais dos dias
Entenderá a luz solar livre das nuvens
E que os reflexos lunares na noite
Apascentam o sono das aves agoirentas
Esperando os novos voos da alvorada?
O CHÃO
O chão é um espelho curvo e turvo
Onde o cristal é vidro fosco
Que se quebra pouco a pouco
Em mistura de objetos e imagens
Talvez possamos penetrá-lo
Como corpo material e fátuo
Ou como alma em simetria volátil
Na simbiose silvestre dos verdes da vida
Mediando os negros das noites ascetas
O chão descende das raízes em criação
Feitas da seiva imarcescível de miragens
Em câmbios com o ar e o sangue latejante
No chão descobrimos impulsos dos frutos
Ou o altar onde se fazem magias
Na metamorfose dos sonhos
Transformados em máscaras de pedra
No poente da aragem do pó
PÓLEN
Inseto errante e alígero
Em rituais difusos na paleta
Desfazendo meadas na pujança do ar
Leva-me contigo em voragem
Pelos caminhos pendulares do espaço
Na amplitude das áleas do vento
Leva-me contigo em voo sem retorno
E deixa-me cair em vertigem
Nos meandros dos redutos dos carpelos
Como se eu fosse ritual de vida
Esperando os lampejos da fecundação
Do pólen latejante nos porões do ar
DISPERSÃO
Na clepsidra coleante do corpo
As espirais descendentes
Da gravitação espacial
Esgotam o sangue e o sol
Dispersam o tempo no dilema do chão
Como se fosse lugar de sementes
Ou caminhos de sombras e lume
Em rituais de mutações de relâmpagos
Na ilusão zenital do teatro dos dias
A substância do corpo cai a prumo
Abrindo as cancelas à reflexão do tempo
Na depuração os palcos dos abismos do chão
Convergem na carne e no sol
Em relógios de água e sangue
Em binómios de gente passando
Como matéria fluindo no ar
DANÇA DE AVES
Passaram os estorninhos no estio
Volteando híbridos nas formas
Como réplicas de espelhos
Em parábolas de miragens
Na mediação da dança do vento
Rituais de almas apoderadas
Num palco de tela surrealista
Fazendo a geometria dos sortilégios do céu
Renovação de esboços de rituais gentios
Como sombras em danças tribais
No mimetismo dos olhares em festim
Cambiante em alcatruzes
E voos em arenas dos abismos celestes
RASTILHOS
Em ponto e contraponto de impulsos
Corre sobre as nesgas da pele áspera
Um cavalo em galope fugaz
Fugindo de mim na aragem
Sigo o seu ínvio rumo de voragem
Em passo sobre passo
Enquanto posso nesta safra
De seguir em simbiose
Tentando manter o ritmo selvagem
Da dança orbital com a ventania
Enlaçando nos braços um cavalo alado
Para prolongar os rastilhos da mente
Como semente
No tempo vegetal
TORNADOS
Partimos diluídos nos módulos da paisagem
Esquecendo os medos das galáxias
E dos estigmas das ruas noturnas
Terminamos sequiosos nos becos
Em insónias continuadas nos bares
Imitando centopeias sobre o corpo
Atravessamos a gândara de espelhos
No brilho encostado aos olhos
Entre as fendas do breu no espaço
Penetramos os corredores da mente
Abrindo constelações de poeira
Fluindo dos restos do corpo
E na cal apagada do legado do chão
Se faz a matéria dos esteios da alma
Desconstruímos o vazio do céu na noite
PONTO DE ENCONTRO
Não é fácil
Continuar a esperar
Que os amigos voltem
Duma viagem sem fim
É assim que percebemos
Que o infinito
É o supremo destino
Do corpo voando nas nuvens
As pegadas que ficam marcadas no chão
Servirão o aço da memória
Continuando outra espera
Num lugar de sementes
Libertadas nas montanhas de origem
Como próximo ponto de encontro
Seguindo as sombras do corpo
Corro o risco de passar
A ser a própria sombra no chão
II – TERRA
A poesia são os sulcos de sangue
Deixados pelas arestas das palavras
Na plasticidade da terra
Na vertigem do sol
O vórtice do movimento
Aponta teimosamente para o chão
NA VERTIGEM
O corpo existe na nudez das vertigens
Como momentos latejantes de refúgio
De um espaço em périplo sobre a pele
Rente à resina do chão
Transmutado em cal
Partilho o cenário do espaço finito
E os lampejos que sobram dos códigos da lua
Nos terraços da servidão das noites
Os ímpetos do cio das estrelas
Fazendo os esboços do corpo
São a nudez etérea dos teares dos sonhos
Como despojos de lua minguante
No vazio dos diapasões
Da vivência das frestas dos céus
Onde os olhos têm o poder
Alquímico das almas
EU TINHA UMA MONTANHA
Cada um terá sempre segredos
Guardados em baús na montanha
Idolatrada como o próprio sangue
Que lhe vem da terra
Apenas a voz livre
Será chave para abrir
Os seus mananciais de água
E os verdes caminhos
Levando os olhos
A ser olhares para além da floresta
NASCIDOS DO CHÃO
Lavro o papel pardo e inerte
Com o arado cunhando a voz
Bolinada nas leiras das lezírias
E até chegar à terra nua e virgem
Farei figas pelos pátios dos caminhos
Confirmando os desígnios místicos
Dos elos do chão e da voz
Como lugar íntimo dos ecos
E vestígios dos ingredientes do pó
Levado na fúria dos sopros rasantes ao à pele
Assim reconstruo a seiva das palavras
E a hulha que será seu fogo e força
Na forja do novelo dos dias
Fazendo a têmpera do aço ressoar
Destes versos nascidos dos vetores do chão
DO LADO DE CÁ
Fechei os olhos na neblina
E parti a tato
Como se o espaço místico
Que me restou na retina
Fosse a minha câmara escura
Incorporada em todos os quadrívios
Das imagens difusas do lenho
Na fornalha dos fluxos da medula
Parti cadenciando os passos
Nas tangentes que se ofereciam
Na escuridão da incerteza do tempo
Senti a distância como matéria volátil
Que se esvai na neblina dos dias
Senti que a teia das sombras é ressonância
Como utopia da luz desvendável
No lado de cá do espelho alucinado
Onde o pó se deposita como chão raso
Terminando a reflexão do sol
IDA E VOLTA
A ida e a volta são vertentes cíclicas
Do mesmo balouçar no fulcro
Onde tudo acontece no meu sangue móvel
Em pontos de partida e de chegada
Como trens entre o nascente e o poente
Empenhados na busca dos tuneis da luz
Os espinhos que encontramos nos caminhos
São códigos nos labirintos do vento
Mostrando a vivência do rumo
Para os pés andarilhos de romeiros
Contrariando a força da gravidade
NAS FENDAS DO CORPO
Nas fendas dos redutos do corpo
Escondo o escuro das noites
E sigo sem me importar com os astros
E os enganos nos altares dos caminhos
As pálpebras escondem os postigos dos olhos
Para não ser vistos por dentro
Mas permitindo ver pelas fissuras
O curso da liturgia dos ímpetos do sol
Seduzindo as encostas
Para coito da luz e das sombras
Amancebadas em germinação dos dilemas
Das sinfonias dos caprichos dos dias
Em fusão nos realejos dos instantes
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