(Sao Paulo, Brasil 1984). Formada en Letras en la Universidad de São Paulo con posgrado en Estudios portugueses por la Universidad Nova de Lisboa. Ha publicado en poesía: cantos de estima (2009), alforria blues ou Poemas do Destino do Mar (2013) y O túnel e o acordeom (2013). Actualmente, es editora de Chão da Feira.
Traducción de los poemas por Marcos Visnadi. Revisión de la traducción por Cícero Oliveira.
Poemas
OS LIVROS são de natureza mineral.
Alguns bebem-se outros se proliferam
como água. Outros pedra, não fruta,
rocha da onde brota a tua pele.
Passa por cima uma formiga.
Há capins vibrando
vento e sol com sombra
o musgo cresce, um mosquito
entra na tua boca e você cuspindo
cai na água que alguém
numa cidade adiante
distante, talvez
sem mágoa
vira a página
bebe.
LOS LIBROS son de naturaleza mineral.
Algunos se beben otros proliferan
como agua. Otros piedra, no fruta,
roca de donde brota tu piel.
Arriba pasa una hormiga.
Hay hierbas vibrando
viento y sol con sombra
el musgo crece, una mosca
entra en tu boca y tu escupiendo
caes en el agua que alguien
n una ciudad lejana
distante, quién sabe
sin amargura
vira la página
bebe.
TENHO SIDO entregue
às mais escuras
das noites mudas.
Que posso eu?
No entre desses espinhos?
Ando tão baixo
quanto as formigas
mas se arbusto não sou
por que tenho vivido
eu coberta de espinhos?
Da queda fez-se um ninho
maceradas folhas de sombra
abrigam o meu corpo.
É o esquecimento da terra.
Mas por que, por que
vesti-me de espinhos?
Si soy el temblor, o lugar
onde o trovão diz
EU é o meu peito
alargado.
ME VEO lanzada
a las más oscuras
de las noches mudas.
¿Qué puedo yo?
¿En el entre de estas espinas?
Ando tan bajo
cuanto las hormigas
pero si arbusto no soy
¿por qué he vivido
yo cubierta de espinas?
De la caída se hizo un nido
maceradas hojas de sombra
abrigan a mi cuerpo.
Es el olvido de la tierra.
Pero ¿por qué,
por qué me vestí de espinas?
Si soy el temblor, el lugar
donde el trueno dice
YO es mi pecho
ensanchado.
VII
Sou apenas um cavalo
o mundo não vale o mundo, meu bem
no entanto, é ele quem me leva.
O cavalo (que vive por mim) abre mão
de ter cascos, patas, coices,
mas de correr no sol, não.
E quando alguém sonha e confunde
o amor comigo, comigo o amor
infundido, infindável, é o cavalo.
VII
Soy solo un caballo
el mundo no vale el mundo, cariño
sin embargo, es él quien me lleva.
El caballo (que vive por mí) renuncia
a tener cascos, patas, coces,
pero a correr en el sol, no.
Y cuando alguien sueña y confunde
el amor conmigo, conmigo el amor
infundido, interminable es el caballo.
XI
Temes a noite onde os nomes não se registram nos radares
e as palavras como joelhos afastados pela mão de outro
são caixas-pretas boiando no mais marinho dos oceanos.
Um avião cruza os ares em direção a um batizado.
É o seu eco que cola as sílabas umas às outras
rejuntes de significado, amálgamas do esquecimento.
Se só pensas em assentar as mais corretas maneiras
de permanecer, feito cal, espalhado pelas espáduas
trêmulo cimentado teu coração, um canteiro de plantio
para as alfaces – soníferas e insípidas – do cotidiano.
De ti, só poderei aceitar atrelar-me, como um mexilhão.
Agora sou na tua rocha. E de mim se aproxima outro,
que os passageiros não alcançarão. Age antes de querer
com todos os olhos de quem nunca tinha tocado bivalves
sem enciclopédia ou Discovery Channel
feito um miúdo se maravilha, ama as pérolas,
sabe bem mastigá-las com os dentes até parti-las.
Como eu, um dia, também contigo, tentei.
XI
Temes las noches donde los nombres no se registran en los radares
y las palabras como rodillas apartadas por la mano de otro
son cajas negras flotando en el más marino de los océanos.
Un avión cruza los aires en dirección a un bautizo.
Su eco es lo que pega las sílabas unas a las otras
juntas de significado, amalgama del olvido.
Si solo piensas en asentar las más correctas maneras
de permanecer, hecho cal, esparcido en las escápulas
trémulo cementado tu corazón, un cantero para plantar
lechugas —somníferas e insípidas— del cotidiano.
De ti podré solo aceptar juntarme, como un mejillón.
Ahora soy en tu roca. Y de mí se acerca el otro,
que los pasajeros no alcanzarán. Obra antes de querer
con todos los ojos de quien nunca hubiera tocado bivalvos
sin enciclopedia o Discovery Channel
hecho un niño se maravilla, ama las perlas
sepa bien masticarlas con los dientes hasta partirlas.
Como un día yo, contigo también, intenté.
XXV
Quem fundou esta cidade
foi fundo o suficiente?
Quem veio por aqui primeiro
será que eram dois ou vinte ou duzentos
estavam armados
com mais fome do que fé?
Calcularam pelos astros
Ou vinham tranquilos
gestantes do acaso
nem se noticiaram a notícia da nova povoação
foram percebendo aos séculos que ficavam, dias
após
que a cada noite dormiam
todo solo tem um ímã que nos puxa ou repele
Ou a cada noite dormiam mais tarde
de tão próximos uns dos outros que estavam
começavam a se identificar uns com os outros
até que de outros viraram os mesmos
um povo, uma língua, uma situação,
porque tinham tanta noite por fazer e por falar
Que brigavam
por honra e tédio,
nasceu a cidade.
E bebiam vinho?
E comiam batata?
Só muito mais tarde amuraram
Notaram que o cume os defenderia?
Ou subiram pelo esmero da montanha
e as lavadeiras reclamariam
de ter que viver ao topo e descer dia a dia,
Ou naquele tempo as pessoas de nada reclamavam
ou ainda não havia lavadeiras
porque eram nômades e todos
faziam de tudo ou porque nada limpavam
Ou porque passavam o dia a se lavar
gostavam da água, chapinhar, boiavam imensos
abraços no rio, bolinhas pelo nariz
e sempre muito limpos cheiravam uns as partes dos outros
Com o mesmo amor de quando te olho de cima, cidade,
notaram que você nem sempre esteve aqui
embora esteja e estará por mais tempo do que eu,
Não se devem comparar casas com homens, ruas com homens
mas eu comparo tudo com homens
e por vezes escolho as casas, os homens, as cidades
mas quase sempre estou vendo a cidade por dentro dela demais
e todo mundo sabe que um coração é um labirinto de monóxido de carbono
que o digam os centros das nossas cidades
Os centros das nossas cidades já não fedem a estrume
embora neles floresçam outras pestes
e enquanto olho atenta cidade por cima
dá um vento aqui — é tão alto — e meus ossos doem por dentro.
É inverno e o inverno nos enche de frio, de dúvidas e de ossos
De se quando chegaram nesta cidade
os primeiros habitantes
muito antes de ser uma cidade
muito antes de haver habitantes
quando lá descansaram — porque ainda não era
aqui — a cidade não lá começou perto do rio? —
um homem e uma mulher se comeram
— como nós também — é inevitável —
encontraremos cidades por fecundar.
XXV
Quien fundó esta ciudad
¿fue suficientemente fondo?
Quien vino aquí primero
¿fueron dos o veinte o doscientos?
¿estaban armados
con más hambre que fe?
¿Calcularon los astros?
O venían tranquilos
gestantes del azar
ni se noticiaron la noticia de la nueva población
percibieron con los siglos que quedaban días
después
que cada noche dormían
todo suelo tiene un imán que nos tira o repele
O cada noche dormían más tarde
tan cerca unos de los otros estaban
que empezaban a identificarse unos con los otros
hasta que de otros se convirtieron los mismos
un pueblo, una lengua, una situación,
porque tenían tantas noches por hacer y hablar
Que peleaban
por honor y hastío,
nació la ciudad.
¿Y tomaban vino?
¿Y comían papas?
¿Sólo mucho más tarde muraron
Notaron que la cumbre los defendería?
O subieron por esmero la montaña
y las lavanderas se quejarían
de tener que vivir en la cima y bajar día a día,
O en aquellos tiempos las personas de nada se quejaban
o todavía no había lavanderas
porque eran nómadas y todos
hacían de todo o porque nada limpiaban
O porque pasaban los días lavándose
les gustaba el agua, salpicaban, flotaban inmensos
abrazos en el río, burbujas por la nariz
y siempre muy limpios husmeaban las partes unos de los otros
Con el mismo amor con que te miro de arriba, ciudad,
notaron que tu no siempre estuviste aquí
aunque estés y estarás mucho más tiempo que yo,
No se deben comparar casas con hombres, calles con hombres
pero yo comparo todo con hombres
y a veces elijo las casas, los hombres, las ciudades
pero casi siempre veo la ciudad demasiado adentro
y todo el mundo sabe que el corazón es un laberinto de monóxido de carbono
que lo digan los centros de las nuestras ciudades
Los centros de las nuestras ciudades ya no hieden a estiércol
aunque en ellos florezcan otras pestes
y mientras miro atenta ciudad desde arriba
hay un viento acá —es tan alto— y mis huesos duelen desde adentro.
Es invierno y el invierno nos llena de frío, de dudas y de huesos
De si cuando llegaron en esta ciudad
los primeros habitantes
mucho antes de ser una ciudad
mucho antes de haber habitantes
cuando allá descansaron —porque aún no era
aquí— ¿la ciudad no allá empezó cerca del río?—
un hombre y una mujer se comieron
—como nosotros también— es inevitable—
encontraremos ciudades
por fecundar.
otros poemas de Júlia de Carvalho Hansen
O futuro? Tem orelhas,
mas é surdo. E é manco.
Se arrasta, sem espanto
mais alheio do que lúcido
com o nosso despreparo.
Se fosse um deus amava o humano mas, como não existe,
o futuro tem de amansar seus ventos, marcando as peles,
as montanhas. Sendo um gênio, não é um exército
de cronogramas, nem de antecipações.
Tem firmeza de flor. E é
invisível, reconhecido
por seus efeitos de brisa,
furacão. Nunca adiado.
Não tem nada a ensinar
no entanto é um mestre
dizem os esgrimistas,
os observadores de saltos,
os gatos também
aprendem certos truques com ele.
E se ama os despreparados
lhe sabem tanto os que fazem
quanto os que esperam.
Os otimistas valem mais
valem quanto?
Cem bifurcações,
sucessivas gerações
de bem aventurados
que topam em pedras,
cicatrizam e correm
bem alimentados
com fome de mais
alimento.
São seus sinais
os imprevistos, os cavalos
os pontos cardeais
os cinco sentidos
e os setes buracos da cabeça.
* * *
Estou sempre a espera de ver.
Vou na frutaria de olhos muito abertos
vez em quando meus ombros se fecham
quando muito chama a ver. Temem o fogo
que se alastra entre estalos nas estruturas.
Preciso dissolver um pouco dos vigiantes olhos
para encontrar todos os olhares que tenho por onde.
É assim que vejo também a confusão.
A confusão tem algumas coisas para me ensinar.
Essa pouca relação é a nossa.
Meu esteio é claro quando estou pisando
meu chão diamantado de dentes
de cada animal que comi para me tornar
humana. E assim poder dizer.
Mas eu sei
sou tão pontual
nasci para esperar
os deuses não.
Dia desses
ganharei outra velocidade.
Serei planta.
E hei de continuar
iluminada
pela água.
* * *
É preciso recriar o acontecer. Dispor
de lãs para o inverno
ouvidos para as mensagens
e peles para marcar os sinais
com a ponta do dedo em brasa.
É preciso saber
as regras dos jogos
como extrair os venenos
e que palavras abrem portas
nas orações que ainda não foram compostas.
É preciso retomar a saída da cidade
alimentar os estrangeiros chegados na madrugada
e que depois de terem os pés lavados
acenderam suas fogueiras.
Fornecemos mais do que gravetos e faíscas em gel
mas também papel para que ardessem
ou escrevessem as técnicas de suas civilizações
nas quais o vento tem outros significados
pois as asas de seus deuses batem desde o oeste
e por aqui todos sabem que os deuses vem da América do Sul.
Os estrangeiros às vezes têm ideias estúpidas
mas não vamos protegê-los de si mesmos
preciso é retirá-los de perto da falésia
para que não caiam nem decidam partir.
É preciso dar a eles a agricultura
pois são o ventre deste país
embora não saibam trazer a chuva
pelo menos respeitam as pragas
e evitam as devastações.
É preciso aquecer os músculos e hidratar a garganta
dar escudos duros e afiar as lanças dos que combatem
protegendo as pedras que dão água.
É preciso não salvar os mortos
mas limpar as ruínas de suas guerras
sem arrancar as ervas daninhas.
É preciso fornecer plantas para a sombra
e luzes no lugar dos olhos
daqueles que perderam a cabeça.
É preciso acolher os feridos
e deitar sal e cinzas
nos seus ferimentos.
É preciso acalmá-los.
E acalmá-los é dar guarida ao breu em que estão.
Seiva veneno ou fruto é um livro com 27 poemas, escritos entre 2013 e 2015. Discutindo a possibilidade de transcendência da realidade, o livro funciona como um objeto cíclico, ritual incluído na ausência de títulos dos poemas, que funcionam como cantos sempre a reverberar. É um livro espiritual, onde luz e sombra são polaridades constantes, assim como a experiência de elementos e processos naturais como o vento ou tentativas de entender a morte. Seiva veneno ou fruto amplia o espectro de conhecimento questionando: como a poesia pode dialogar com deuses, vegetais e animais?
“O futuro? Tem orelhas,
mas é surdo. E é manco.
Se arrasta, sem espanto
mais alheio do que lúcido
com o nosso despreparo.
Se fosse um deus amava o humano, mas como não existe
o futuro tem de amansar seus ventos, marcando as peles,
as montanhas. Sendo um gênio, não é um exército
de cronogramas, nem de antecipações.
Tem firmeza de flor. E é
invisível, reconhecido
por seus efeitos de brisa
furacão. Nunca adiado.
Não tem nada a ensinar
no entanto é um mestre
dizem os esgrimistas
os observadores de saltos
os gatos também
aprendem certos truques com ele.
E se ama os despreparados
lhe sabem tanto os que fazem
quanto os que esperam.
Os otimistas valem mais
valem quanto?
Cem bifurcações,
sucessivas gerações
de bem-aventurados
que topam em pedras
cicatrizam e correm
bem alimentados
com fome de mais
alimento.
São seus sinais
os imprevistos, os cavalos
os pontos cardeais
os cinco sentidos
e os sete buracos da cabeça.”
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