PAULO HENRIQUES BRITTO
(Río de Janeiro, Brasil 1951) Su poesía de carácter reflexivo, intelectualizado, incluye frecuentemente toda una metapoética preocupada por la expresión de lo indecible. Su trabajo sobre las formas fijas sorprende por los ingredientes de destilado humor, coloquialidad y desmitificación. Tanto formal como tonalmente, amplía el horizonte lírico contemporáneo de Brasil. Según el poeta y crítico Augusto Massi,
las motivaciones de su escritura son románticas y las razones modernas. Tie-
ne estrecha relación con la poesía en lengua inglesa de Wallace Stevens y Eli-
zabeth Bishop, de la que es reputado traductor.
OBRA POÉTICA: Liturgia da matéria, 1982; Mínima lírica, 1989; Trovar claro, 1997.
Traducción de Adolfo Montejo Navas
DOS BAGATELAS
II
Entonces vivir es eso,
es esa obligación de ser feliz
a toda costa, aunque duela,
de amar algo, cualquier cosa,
una causa, un cuerpo, el papel
en el que se escribe,
la mano, hasta la pluma,
amar hasta la negación de amar,
aunque duela,
entonces vivir es sólo
ese compromiso con la cosa,
ese contrato, ese cálculo
exacto y preciso, ese vicio,
sólo eso.
De Liturgia da matéria (1982)
ELOGIO DEL MAL
A una cierta distancia
todas las formas son buenas.
En cada cosa, un desván;
en cada desván no hay nada.
A mano derecha, la explicación
perfecta de las cosas. A la izquierda,
la certeza de lo inútil de todo.
Tener dos manos es muy poco.
Por eso, por eso los nombres,
los nombres que embeben el mundo,
y los verbos se hacen carne,
y los adjetivos bárbaros.
De Liturgia da matéria (1982)
MÍNIMA POÉTICA
Poesía como forma de decir
lo que de otras formas es omitido,
no de callar lo que se vive y se ve
y se siente como vergüenza del sentido.
Poesía como discurso completo,
al mismo tiempo trama de fonemas,
artesanía de éter, y proyecto
sobre la cosa que transborda el poema
(si bien que desde él proyectada).
Palabra como lámina sólo filo
que por lo que recorta es recortada,
cincel de mármol, tabique y obra:
el habla -esquiva, oblicua, angulosa-
de lo que resiste a la rectitud de la prosa.
De Mínima lírica (1989) [ metapoesía ]
(19 DE ENERO)
Cuando ésta ande llegando a tus manos
yo ya debo haber pasado la vía.
Entrega por favor a mis hermanos
los libros de la segunda estantería,
y a esa chica -de los «catorce números»-
el paquete que está con tu amigo.
Yo lavé con cuidado el disco duro.
Los diskettes back-up están conmigo.
Hasta otra. No soy de valentía.
La mierda pesó. Disculpa mi mal gesto.
Pillé bastante y salí pura locura.
Dejé un revolver en la cocina,
con una bala. Destruya este soneto
enseguida que acabe la lectura
De Trovar claro (1997)
De CORRESPONDÊNCIA CELESTE. Nueva poesía brasileña (1960-2000), org. Adolfo Montejo Navas. Madrid: Árdora Ediciones, 2001.
Obra publicada com o apoio do Ministério da Cultura do Brasil/ Fundação Biblioteca Nacional / Instituto Nacional do Livro.
TRES EPIFANÍAS
Versión de Héctor Carreto
I
Las cosas más inocentes,
las que más se petrifican entre si,
las cosas que menos importan,
las más esquivas y ariscas,
las cosas más sustanciales,
las que menos incomodan la vida,
son las que más pesan
en la hora definitiva;
no hay peor testimonio
que la pureza absoluta.
II
Es como un viento frio, un soplo
que emerge del fondo de la gente,
un escaolofrío que hiela la sal
de la sangre que provocan los dientes,
y toma el cuerpo todo, y no
perdona un solo hilo del cabello,
y arde sin llama y quema la piel,
hecha un trozo de hielo,
y donde pasa deja marca,
un rastro profundo, casi una herida
que duele más que la conciencia
pero que no alcanza a estar bien muera.
III
La posición de un objeto
en su lugar natural
en la geometria de un cuarto
en el brillo artificial
de una lámpara fria
es inconfundible señal
de una orden manifiesta
soberna y mineral
que desafia los gestos
de la mano que busca un final.
HORÁCIO NO BAIXO
Tentar prever o que o futuro te reserva
não leva a nada. Mãe de santo, mapa astral
e livro de autoajuda é tudo a mesma merda.
O melhor é aceitar o que de bom ou mau
aconteceu. O verão agora inicia
pode ser só mais um, ou pode ser o último...
vá saber. Toma o teu chope, aproveita o dia,
e quanto ao amanhã, o que vier é lucro.
TROMPE L´OEIL
Os fracassos todos de uma existência,
quando cuidadosamente empilhados,
observada uma certa coerência,
parecem uma espécie de pirâmide
monumental — ainda que truncada,
talvez — desde que olhados à distância
no momento preciso em que os atinge
o sol do entardecer, formando um ângulo
cujo valor exato se obtém
com base no... mas não, é mais esfinge
que pirâmide, sim, pensando bem —
quer dizer, uma esfinge estilizada,
sugerida apenas, como convém
a um monumento, ou cenotáfio, ao nada.
BRITO, Paulo Henriques. Formas do nada. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2012. 75 p. 14x21 cm. – ISBN 978-85-359-2053-6), capa de Kiko Farkas. Col. A.M.
Uma linguagem atual, que combina o sofisticado com o coloquial, constrói um universo na busca do “sentimento do mundo”, como queria Drummond, pelo caminho do sutil e do irônico. “Lição de coisas”, diria o mesmo Drummond, que vale a pena conferir.
Ecce homo
Não ser quem não se é é coisa trabalhosa.
Exige a disciplina austera e rigorosa
de quem, achando pouco simplesmente ser,
requer o luxo adicional de parecer.
As essências enganam, e o eu é tão escasso
que há que ocupar com alguma coisa tanto espaço,
e nada como a negação da negação
pra efetuar tão delicada operação.
E pronto: está completo. O homem mais o andróide,
imune a suave mari magno e Schadenfreude,
ser e não ser na mais perfeita sintonia.
Use e abuse. A coisa vem com garantia.
elogio do mal
1
A uma certa distância
todas as formas são boas.
Em cada coisa, um desvão;
em cada desvão não há nada.
À mão direita, a explicação
perfeita das coisas. À esquerda,
a certeza do inútil de tudo.
Ter duas mãos é muito pouco.
Por isso, por isso os nomes,
os nomes que embebem o mundo,
e os verbos se fazem carne,
e os adjetivos bárbaros.
2
O mundo se gasta aos poucos.
A coisa se basta a si mesma,
mas não basta ao que pensa
um mundo atulhado de coisas
que se apagam sem pudor,
que se deixam dissipar
como quem não quer nada.
Existir é muito pouco.
Por isso, por isso os nomes,
os nomes que se engastam nas coisas
e sugam o sangue de tudo
e sobrevivem ao bagaço
e negam a tudo o direito
de só durar o que é duro,
e roubam do mundo a paz
de não querer dizer nada.
3
Bendita a boca,
essa ferida funda e má.
PARA NÃO SER LIDO
Não acredite nas palavras,
nem mesmo nestas,
principalmente nestas.
Não há crime pior
que o prometido
e cometido.
Não há fala
que negue
o que cala.
memento mori
I
Nenhum sinal da solidão se vê
lá onde o amor corrói a carne a fundo.
Dentro da pele, no entanto, você
é só você contra o mundo.
Esta felicidade que abastece
seu organismo, feito um combustível,
é volátil. Tudo que sobe desce.
Tudo que dói é possível.
II
Luz frágil que brota no breu
e num rápido relance dá forma
e cor e corpo às coisas todas,
luz que se apega o pouco que pode
às aparências, acredita piamente
no sonho de substância que secretam,
luta com todas as parcas forças
contra o conforto de apagar-se enfim
por trás de duas implacáveis pálpebras.
Poemas extraídos de AZOUGUE 10 ANOS (Rio de Janeiro: Azougue, 2004), editora liderada pelo poeta Sergio Cohn.
DUAS BAGATELAS
II
Então viver é ísso,
é essa obrigação de ser feliz
a todo custo, mesmo que doa,
de amar alguma coisa, qualquer coisa,
uma causa, um corpo, o papel
em que se escreve,
a mão, a caneta até,
amar até a negação de amar,
mesmo que doa,
então viver é só
esse compromisso com a coisa,
esse contrato, esse cálculo
exato e preciso, esse vicio,
só isso.
De Liturgia da matéria (1982)
MÍNIMA POÉTICA
1
Poesia como forma de dizer
o que de outras formas é omitido—
não de calar o que se vive e vê
e sente por vergonha do sentido.
Poesia como discurso completo,
ao mesmo tempo trama de fonemas,
artesanato de éter, e projeto
sobre a coisa que transborda o poema
(se bem que dele próprio projetada).
Palavra como lâmina só gume
que pelo que recorta é recortada,
cinzel de mármore, obra e tapume:
a fala —esquiva, oblíqua, angulosa-
do que resiste á retidão da prosa.
De Mínima lírica (1989) [ metapoesia ]
(19 DE JANEIRO)
Até esta chegar às suas mãos
eu já devo ter cruzado a fronteira.
Entregue por favor aos meus irmãos
os livros da segunda prateleira,
e àquela moca —a dos "quatorze dígitos"-
o embrulho que ficou com teu amigo.
Eu lavei com cuidado o disco rígido.
Os disquettes back-up estão comigo.
Até mais. Heroísmo não é a minha.
A barra pesou. Desculpe o mau jeito.
Levei tudo que coube na viatura,
mas deixei um revólver na cozinha,
com urna bala. Destrua este soneto
imediatamente após a leitura.
De Trovar claro (1997)
De
MACAU
2 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
BIODIVERSIDADE
Ha maneiras mais fáceis de se expor ao ridículo,
que não requerem prática, oficina, suor.
Maneiras mais simpáticas de pagar mico
e dizer olha eu aqui, sou único, me amena por favor.
Porém ha quem se preste a esse papel esdrúxulo,
como ha quem não se vexe de ler e decifrar
essas palavras bestas estrebuchando inúteis,
cágados com as quatro patas viradas pro ar.
Então essa fala esquisita, aparentemente anárquica,
de repente é mais que isso, é urna voz, talvez,
do outro lado da linha formigando de estática,
dizendo algo mais que testando, testando, um dois três,
câmbio? Quem sabe esses cascos invertidos,
incapazes de reassumir a posição natural,
não são na verdade uma outra forma de vida,
tipo um ramo alternativo do reino animal?
VÉSPERA
No trivial do sanduíche a morte aguarda.
Na esquiva escuridão da geladeira
dorme a sono solto, imersa em mostarda.
A hora é lerda. A casa sonha. A noite inteira
algo cricrila sem parar — insetos?
O abacaxi impera na fruteira,
recende esplêndido, desperdiçando espetos.
A lua bate o ponto e vai-se embora.
Mesmo os ladrilhos ficam todos pretos.
A geladeira treme. Mas ainda não é hora.
Se houvesse um gato, ele seria pardo.
A morte ainda demora. O dia tarda.
ACALANTO
Noite após noite, exaustos, lado a lado,
digerindo o dia, além das palavras
e aquém do sono, nos simplificamos,
despidos de projetos e passados,
fartos de voz e verticalidade,
contentes de ser só corpos na cama;
e o mais das vezes, antes do mergulho
na morte corriqueira e provisória
de urna dormida, nos satisfazemos
em constatar, com urna ponta de orgulho,
a cotidiana e mínima vitória:
mais urna noite a dois, e um dia a menos.
E cada mundo apaga seus contornos
no aconchego de um outro corpo morno.
BRITTO, Paulo Henriques. Mínima lírica. 2ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 108 p. ISBN 978-85-359-2310-0 Col. A.M.
Piada de câmara
A invenção da palavra
desinventa o real
e põe no lugar da coisa
um enfezado matagal —
mistura de a coisa haver
com não haver coisa tal.
E quem ao pé desse mato
tocaia algum animal
que tenha pé e cabeça
pele escama pelo ou pena
encontra mesmo é um poema
afinal.
QUEIMA DE ARQUIVO
Houve um tempo em que eu amava
em cada corpo o reflexo
do que eu queria ter sido.
No fundo do sexo eu buscava
o meu desejo perdido.
Acabei achando o outro
que em mim mesmo destruí.
Foi fácil reconhecê-lo:
de tudo que vi em seu rosto
somente o ódio era belo.
Esse morto adolescente
implacável e virginal
não me perdoa a desfeita.
Não faz mal. Eu sigo em frente.
Nem tudo que fui se aproveita.
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