jueves, 28 de febrero de 2013

JOSÉ-AUGUSTO DE CARVALHO [9308]



José-Augusto de Carvalho, natural de Viana do Alentejo, Portugal, nació el 20 de Julio de 1937.

Libros publicados: 

Arestas vivas, 1980; sortilégio, 1986; tempos do verbo, 1990; vivo e desnudo, 1996; Nós Poesia, 2002 (com Lizete Abrahão); A instante nudez, 2005; Da humana condição, 2008; Do mar e de nós, 2009; O meu cancioneiro, 2009.

Colaboraciones: 

Antologia dos Poetas Alentejanos do século XX, 1984; II Antologia Poética «Amantes das Leituras», 2008; I Antologia «Temas Originais», Coimbra, 2010; Antologia Da Princesa da Poesia, 2012.




AL ANOCHECER - ORACIÓN A LA LLUVIA

                   Para Alberto Peyrano 

Ay! aquí, clausurado
en las cuatro paredes
erguidas por mis manos
con inercia y renuncia,
yo soy un hombre solo.

Ay! río de mi sed
¿dónde estás?… ¿dónde estás…
que me dejas asi
tan lejos de la mar? 

¿Por qué, cielo, no llueve
y el agua desembaraza
mis raíces de este suelo
de soledad y renuncia 

para que también me vaya
hasta la mar, donde están
los peces y los barcos
por los que Federico murió…?





Noche y día!

Nosotros nos miramos, noche y día.
Se nos alumbra siempre la mirada!
En nuestro alrededor la poesía
es sueño de una Vida enamorada!

De flores son las dulces carreteras.
Sus pétalos, alfombras de desvelo.
Sín alas y sín largas escaleras,
llegamos a lo lejos, en el cielo.

Acá, la Vida mira nuestro sueño
y grita, en su dolor, una censura
que, vieja cuanto ha sido el triste leño,
en lágrimas de sangre duele oscura:

No puede nunca haber verdad y vuelo
sín alas hechas tierra rumbo al cielo!








Das cinzas do tempo, evadem-se os sinais...

Será Nero declamando os seus poemas medíocres
às chamas que devastam  Apolo e Roma?

Será Petrónio burilando a elegância do verbo,
enquanto acaricia as veias que irá cortar?

Serão as sombras ignaras do pão e circo
expulsas pelo remorso dos tempos
do sossego do nada  onde apodreceram?

Ou serei eu, aqui, a reinventar o pesadelo
do martírio intemporal dos impérios?

4 de Agosto de 2008.





Na mesa, o pão repartido.

            Na fraterna divisão,
            cada parte é o quinhão
            que a cada um é devido.
            Não é diferente a fome
            por mim ou por ti sentida,
            por isso, em igual medida,
            cada um de nós o pão come.
            Assim está consagrado
            o princípio basilar
            e será desmascarado
            aquele que o violar.
            Aos farsantes e aos tiranos
            lhes digo que me cansei
            das mentiras que escutei
            sobre os direitos humanos.






Poema para Maria


Os longes da memória, o tempo e o modo
renascem, inventados, água e lodo...

Rasgando a treva, a chama de um farol,
por montes, vales, plainos, surge o trilho...

O múrmuro trinar do rouxinol
poisou no choro brando do teu filho.

E de montante, o rio rumoreja,
espreguiçando a doce melodia.

P'los campos, o olivedo que esbraceja
candeia que há-de ser já anuncia...

Na calma santa e mítica de luz,
a vida sonha e quer-se imaginário...

O tudo e o nada, o todo se reduz
ao berço do infinito planetário...

(In "tempos do verbo", Lisboa, 1990)








Este meu canto...

Expurgo deste canto as notas dissonantes.
As notas onde o som apenas é ruído.
Que fique a melodia e sejam por bastantes
as notas desfolhando um cravo proibido…

Um cravo que resiste em cada primavera
e ganha, na canção, a dimensão do mito.
Um cravo que, em abril, simbólico me espera,
um cravo que novembro assim mantém proscrito.

E canto à chuva e ao sol, a preto e branco e a cores
o verbo e a melodia eternos da canção.
Infernos de verão e invernos de tremores
instantes sobre mim jamais me calarão.

À noite, a minha ceia é sempre pão e vinho:
o alento de amanhã --- o intérmino caminho!

Lisboa, 5 de Setembro de 2012.








À beira-mágoa...

Eu soube de um país à beira-mar,
à beira-pesadelo, à beira-pranto...
De insónias e tristezas no cantar,
do sonho, que a tardar, doía tanto!

Eu soube de um país que teve um cais
e um barco que largou ao mundo além...
Que foi e que voltou por entre os ais
e sempre desse além ficou refém...

Eu soube de um país à beira-fado,
guitarra dedilhando a decadência...
Amante, entre grinaldas, mal-amado,

cativo de masmorras e de ausência...
Eu soube de um país que se rendeu,
num dia de novembro, e se perdeu...

(in Do mar e de nós)







Os Cabos

O Cabo Não dobrámos com denodo.
E nele levantámos o padrão,
memória do querer dum povo todo
que a medos e renúncia disse não.

O Cabo Bojador também dobrámos!
E fomos, com Pessoa, além da dor!
E foi de dor em dor que tanto ousámos
até que o mar impôs o Adamastor!...

O Cabo das Tormentas era o medo
maior, o nunca visto nem sonhado!
O Capitão do Fim, olhando o Medo,
gritou: ou morro aqui ou és dobrado!

Agora, falta o Cabo da Desgraça!
E agora? Agora, a gente ou morre ou passa!

Lisboa, 13 de Setembro de 2012.






Rimance do Lua Nova

Lua Nova era o meu nome
de registo de campanha
quando resistia à fome
lá para a raia de Espanha.

Clandestino até no lar,
nem à mulher concedia
saber qual o meu andar
ou ao certo o que fazia.

Aos trabalhos da lavoura
me entregara de menino.
Outra sorte melhor fora,
mas tive esta por destino.

Neste saber várias artes,
saltava de galho em galho.
Em qualquer de tantas partes,
tinha agasalho e trabalho.

De empreitada, ali ceifava;
mais além, era a cortiça;
nos tempos mortos, parava
e dava o corpo à preguiça.

Sempre com desembaraço,
a minha jorna suava.
Nunca neguei o meu braço
à tarefa que acertava.

Ah, mas num dia azarado,
e quem os não tem na vida?,
fiquei incapacitado
para a minha dura lida.

Experto entre tantas liças,
eu já conhecera mundo…
Sabia até que a cortiça
boia e nunca vai ao fundo!...

Sob a manta de maltês,
andava de monte em monte;
rasgava, de quando em vez,
as trevas deste horizonte.

Passava a salto o Guadiana,
entrava em terras de Espanha…
A Guarda Fiscal se dana
e grita: ninguém o apanha?

Ia e vinha, sempre a pé,
a noite me protegia…
Cada carga de café
boa féria me rendia…

Lua Nova, a minha alcunha,
deu rimance popular.
Até eu fui testemunha
de tanto o ouvir cantar…

Lua Nova é uma lenda,
o Alentejo é um destino;
não há aqui quem se renda,
às claras ou clandestino.
Apanhá-lo quem se atreve?
Quem consegue tal façanha?
Em Portugal é pé leve
e pé leve é em Espanha!

Aquém ou além Guadiana,
desmonta qualquer ardil:
a Guarda Fiscal engana,
engana a Guardia Civil…

Entre limpas e montados,
astuto também engana
o ardis sempre aprontados
p'la Guarda Republicana.

Lua Nova, morto ou vivo,
hoje é já a lenda viva
que serve de lenitivo
à vida sempre cativa.

Lisboa, 26 de Novembro de 2012





Irreverência

Mote

Apoiada no quadril,
traz a moça a cantarinha.
Vem da fonte e vem asinha.


Voltas

Diz-se de «Abril, águas mil»!
E tanta sede que eu tinha,
naquela manhã de Abril!
Mas a moça vinha asinha
e negou-me a cantarinha
que apoiava no quadril...


Fiquei-me quase febril
devido à sede que tinha!
E nem sei mais se de Abril
ou se da moça que vinha
apoiando a cantarinha
no bailado do quadril... 

30 de Março de 2012
Viana*Évora*Portugal







Sonho

Sonho meu, que estás em mim,
que sempre bendito sejas!
Oxalá que me protejas
até que chegue o meu fim!
Que sempre a tua vontade
seja o pão de cada dia,
que me alenta na porfia
de chegar à claridade!
Perdoa as hesitações
e os passos tantos perdidos...
Que possam ser entendidos
como severas lições!
E nunca me deixes só
nem sequer quando eu for pó...

13 de Março de 2012.
Viana*Évora*Portugal







Poema para Maria de Magdala

Que manto de silêncio assim te esconde,
perdida sob névoa e banimento?
Já nem o eco à minha voz responde!
Até te silencia a voz do vento!

A boa nova, espanto e maravilha,
aos outros que ficaram, tu levaste.
Eleita, confirmaste, na partilha,
a força da raiz na frágil haste.

O turbilhão dos tempos te tragou.
Das trevas sem registo e sem memória,
a lenda que o sem tempo deslumbrou
no todo o sempre escreve a tua história.

Na tela onde o pintor te quis dilecta,
eu vivo a minha angústia de poeta.

26 de Dezembro de 2011.
Viana*Évora*Portugal






Ibéria

N' Os grandes cemitérios sob a Lua,
o grito do cigano de Granada
a noite da vergonha perpetua
na dor da minha Ibéria assassinada.

Ardia o mês de Agosto. Era verão.
E a terra ensanguentada ainda jaz,
memória de um sem tempo e sem razão
que fuzilou o sonho, o verbo e a paz.

Agora, nas palavras, o tardio
consolo do clamor que repudia
o gesto da barbárie consentida.

Mataron Federico! E no vazio
do tempo sem amor e sem Poesia,
persiste, em carne viva, esta ferida.

26 de Março de 2007.
Viana do Alentejo * Évora * Portugal







A verdade de mim

Bendito seja o meu nome! 
Semeio e colho este pão, 
mas só migalhas me dão, 
enganando a minha fome. 

Zé-povinho assim me chama 
quem de mim se não reclama! 

Arautos de feira exultam. 
E com palavrinhas mansas 
e falazes esperanças, 
o meu dia a dia insultam.

Zé-povinho assim me chama 
quem de mim se não reclama! 

Quem me promete o que é meu, 
como se fosse oferenda? 
Quem supõe que estou à venda? 
Quem é aqui mais do que eu?

Zé-povinho assim me chama 
quem de mim se não reclama!

Da noite dos tempos venho, 
vergado, chapéu na mão, 
à deriva como um lenho 
sem velame nem timão.

Zé-povinho assim me chama 
quem de mim se não reclama! 

Milénios já percorridos 
de sofrimento e lições, 
quando os terei aprendidos 
por memória e por razões?

Zé-povinho assim me chama 
quem de mim se não reclama! 

Continuo um pé descalço, 
um deserdado, a ralé, 
a subir ao cadafalso 
num qualquer auto de fé...

Zé-povinho assim me chama 
quem de mim se não reclama! 

Enredado em várias malhas 
e presa dos maiores danos, 
morro em todas as batalhas 
só p'ra mudar de tiranos!

Zé-povinho assim me chama 
quem de mim se não reclama! 

Ah, que força, que arreganho 
assim me tolhe a vontade 
de me erguer e com verdade 
ser livre e do meu tamanho?!

Até mudar de caminho, 
serei sempre o Zé-povinho? 





No hay comentarios:

Publicar un comentario