ADRIANO SCANDOLARA
Adriano Scandolara es un poeta y traductor brasileño, nacido en Curitiba en 1988. Obtuvo un grado en Literatura y una Maestría en Estudios Literarios en la Universidad Federal de Paraná, donde actualmente desarrolla un doctorado en poesía y filosofía del lenguaje.
Autores traducidos, como el novelista Hari Kunzru y el poeta John Milton. Es uno de los editores del blog y la revista Scamander.
Debutó con el libro Lira de Lixo (São Paulo: Patuá, 2013). Su segundo libro, PARSONA, poesia conceitual, y su traducción de Prometeo Desencadenado, del Inglés romántico Percy Bysshe Shelley (1792 - 1822), están en prensa y serán publicados este año, respectivamente, por editores Kotter y Autêntica.
Incluidos en Inventar la felicidad. Muestra de poesía brasileña reciente (Vallejo & Co. Internet, 2016, selec. de Fabricio Marques y Tarso de Melo, trad. de Fabrízia Ribeiro).
Sobre la poesía de Adriano Scandolara
Personajes muertos o moribundos, al borde de una muerte tan inevitable como irrelevante, poblan la imaginación del lector que cruza a los poemas de Adriano Scandolara. Del lector, más que del poeta, se puede decir, debido que a tales personajes se forman a partir de la atmósfera que la voz de los poemas establece, de manera a oferecer (anti) lecciones de desesperanza —«como si / hubiera tiempo sin memoria y/ resolviera mucha cosa pegar/ esos pedazos». Pero puede existir ahí un gran engaño, una distracción, una trampa. Tales (anti)lecciones, en algún sentido, no son puertas cerradas, pues no consideran que el mundo en trozos en que vive uno sea el fin de algo, pero su misma condición, «Después de un tiempo/ uno aprende a joderse». Lo denuncia Adriano, a su manera, que todas las presentaciones de nuestra vida que no coinciden con la imagen de un mundo cuyo destino es la basura —y no es casualidad que su primer libro se llama Lira de la Basura— será su falsificación. [Tarso de Melo —TdM—] Traducciones de los poemas por Fabrízia Ribeiro.
Poema pedagógico
Después de un tiempo
uno aprende a joderse
cultivando trémulo su jardín
flores
para ser pisadas
el invierno mendigo
a limpiarse en las hojas secas.
La sabiduría tiene osteoporosis
y por eso duele tanto,
cuánta experiencia no tienen las piedras,
¿qué cosas
murmullan
al trasero que en ellas sienta?
mientras un río inferior corroe la garganta de una gruta
un alambre de puás cerca frutos maduros,
y lo que resta decir
fallido brillo de bombillo que apaga
mejor dicho
en una grabadora
la voz de un papagayo.
Poema pedagógico
Depois de um tempo
você aprende a se foder
cultivando trêmulo seu jardim
flores
para serem pisadas
o inverno mendigo
a se limpar nas folhas secas.
A sabedoria tem osteoporose
e por isso dói tanto,
quanta experiência não têm as pedras,
que coisas
sussurram
ao traseiro que senta nelas?
enquanto um rio inferior corrói a garganta de uma gruta
um arame farpado cerca frutos maduros,
e o que resta a dizer
brilho falho de lâmpada que apaga
melhor diria
num gravador
a voz dum papagaio.
Segundo poema de tema judaico
Si te consuela,
mensajero chiflado, algunos
de los muertos tuvieron, pasto de aves,
el sueño negado, ingenuo suponer,
que el hombre sin tumba,
o de pulmones quemados, la hija violada, irán
a levantarse conmovidos de la fosa
para revocar las órdenes:
no os olvidéis de mí,
mi sangre ha de inundar el aire
que respiráis, etc
como si
hubiera tiempo sin memoria y
resolviera mucha cosa pegar
esos pedazos: es dejarlos en el piso
que otra vez
72 otros trozos
se parten,
schlemiel
de un vodevil barato, con vasijas
rotas y malentendidos
(y es que tal vez porque
no nos entendemos
que solamente por un montón de destrozos
se llegue al cielo)
Segundo poema de mote judaico
Se te consola,
mensageiro caduco, alguns
dos mortos tiveram, pasto de aves,
o sono negado, ingênuo supor
que o homem sem cova,
o de pulmões queimados, a filha violada, irão
levantar comovidos da vala
para revogar as ordens:
não vos esqueçais de mim,
meu sangue há de inundar o ar
que respirais, etc
como se
houvesse tempo sem memória e fosse
adiantar muita coisa também colar
esses cacos: é deitá-los no chão
que outra vez em
72 outros pedaços se
partem,
schlemiel
de um vaudeville barato, com vasos
quebrados e mal entendidos
(e é talvez porque
não nos entendemos
que só pela pilha de destroços
se chegue ao céu)
Del arte de perder
Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
Elizabeth Bishop
Saudade, sereno incapaz,
de penetrar estas paredes,
viste en esta lengua colores
alejados de extranjera
así que no es ningún desastre -
las cosas, lugares, un padre,
tres abuelas, toda una lengua
otra que las ratas carcomieron en el ático,
e identidades también, solo pregunte
si algo duele o pica o hace falta, aquí
este concreto, este asfalto,
donde ninguna flor a inevitables
inviernos concede el placer de que
se le quiten sus pétalos.
Da arte de perder
Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
Elizabeth Bishop
Saudade, sereno incapaz
de penetrar estas paredes,
veste nesta língua cores
distantes de estrangeira
tanto não é nenhum desastre –
as coisas, lugares, um pai,
três avós, toda uma língua
outra que ratos carcomeram no sótão,
e identidades também, só pergunte
se algo dói ou coça ou faz falta, aqui
este concreto, este asfalto,
onde nenhuma flor a inevitáveis
invernos concede o prazer de
arrancarem suas pétalas.
Canción del eremita
Cuatro días sin salir de casa
¿y qué perdí?
Carros, cráneos
molidos en la madrugada,
globos aleteantes
y un manojo de ramos de rosas
tirados en la basura
perro que huye, juguete que la calle
destruye
como un reloj, sin
que las horas cesen
sus transformaciones.
El cortejo
de la vida como quien sale a cenar
con una persona hermosa
y tonta.
Canção do eremita
Quatro dias sem sair de casa
e o que perdi?
Carros, crânios
moídos nas madrugadas,
balões esvoaçantes
e meia dúzia de buquês
jogados no lixo
cão que foge, brinquedo que a rua
destrói
como um relógio, sem
que as horas cessem
suas transformações.
O cortejo
da vida como quem sai pra jantar
com uma pessoa estonteante
e burra.
Voyeur
Y, si tu ojo te da ocasión de pecar,
arráncalo o tíralo.
Mateo 18:9
Labios humeantes
de un carbón apagándose
los miembros esforzándose y cediendo, esforzándose y cediendo,
hasta que el tiempo y esfuerzo
los deshagan.
Las manos solo entraron en juego mucho después
el sabor el sonido el olor primer
y la mirada en todo, aunque
en este teatro de sombras:
insatisfechos mientras todo reposa
los ojos leen en los párpados
el libro de la noche
y porque son ellos que traen la primavera al cuerpo
solamente los ojos no se sacian.
Voyeur
E, se o seu olho o fizer tropeçar,
arranque-o e jogue-o fora.
Mateus 18:9
Lábios fumígenos
de um carvão se apagando
os membros se esforçando e cedendo, se esforçando e cedendo,
até que o tempo e esforço
os desfaçam.
As mãos entraram em jogo só muito depois
o gosto a voz o cheiro primeiro
e o olhar em tudo, mesmo
neste teatro de sombras:
insatisfeitos enquanto tudo repousa
os olhos leem nas pálpebras
o livro da noite
e porque são eles que trazem a primavera ao corpo
só os olhos não se saciam.
Poemas do livro "Lira de Lixo":
São Paulo: Editora Patuá, 2013. 100 p. 14,5x20 cm. ISBN 978-85-64308-90-9. Projeto gráfico, capa e ilustração de Eduardo Lacerda. Col. A.M.
Paz de espírito
Ser sábio ou tolo demais
para correr descalço sobre a
relva reluzente
de cacos de vidro ao sol.
Transeuntes abatidos
por meteoros de ar-condicionado
e peças de titânio em chamas,
um passo na rua, outro
no eterno,
a alma em regozijo,
diluída em morfina.
Silêncio de alvenaria
Jantamos bem
embora tinta alguma jamais
cubra inteiramente
a desgraça vista por essas paredes
– quietas
salvo por
aquela machadada
atrás do criado-mudo.
Sepulcro da história
queda de madeira pedra alvenaria e lágrimas de vidro
memórias se acumulando como pó na mobília
que uma empregada distraída
limpa com um trapo.
Ode ao edifício Ricardo
– para Roger Alberto Meluso, in memoriam
Eu, sozinho, no prédio todo
não ouvi os estertores:
ia ao banco, quando
quase
tropeço no
cadáver.
Correndo desesperado o pobre diabo desceu os degraus
delirante perdendo
a calça a perna falsa toda
dignidade
o caco que restou na calçada deitou, a Deus
clamou que não morresse
e como chama em cachimbo de crack nos becos da noite
apagou.
E eu
quase tropeço no cadáver.
Poesia de hospital
Pela herança do sangue do sol
ama-se a noite,
o crepúsculo de uma sirene
que anuncia um infarto.
Luar magnético na janela
máquinas com o cansaço
do relógio, chama
de um cigarro que não verá
reflexo na aurora
e aquele telefonema frio de madrugada.
Esperando estar enganado
Cadáver adiado que procria
F. Pessoa
De cócoras à cova e um parto difícil,
abaixo
ao fosso, o fórceps
na mão do coveiro,
e o tempo
para envelhecermos
embotados pelo hábito.
Do progresso nas profissões
Não se vê daqui, mas sei
que a prostituta na rua
tem um olho de vidro,
É mais aparente o gancho
na mão esquerda
ou, mais à luz, sob o poste
a prótese
da perna.
A insaciedade da fome de carne
que tem que se satisfazer
com borracha.
É tempo de fetiches, pessoas
que se fazem fetiches.
Servir-se
da prostituta na rua
não era tanto sexo com gente
quanto era sexo
com coisa
tevê, geladeira,
sonho transerótico do transumanista.
A arte de governar
O que segura o mundo,
represa o mar de escombros
da queda de edifícios
pilastras governos
revolta e violência popular
deserto de pó e ossos
sob um céu tombado
barbárie e penúria,
(de resto,
burocracia)
é barbante e fita-crepe.
Eurídice
Até o tempo se perde
nesses negros córregos, vias
pálidas entre os prados
amontoados de lixo.
Embora rápido, o olhar
jamais voltado pra trás
em muito se confunde com o de um
cabresto.
Até encontrar o sol
e se dar conta
de estar só.
E ela?
Muda sombra, o que disso tudo achava
ninguém jamais perguntou.
Id(iot)eologia
...that common, false, cold, hollowtalk
Which makes the heart denythe yes it breathes
Shelley
Pobre
ou mata ou se mata
pra ser rico,
rico mata
pra manter-se rico,
monges marxistas expiam pecados do mundo
batendo o Manifesto na testa, i
Sem revolução
sem juízo final
os mortos mantêm-se mortos
e os vivos os invejam.
Equinócio
Plante pelo inverno,
que as flores aqui são de asfalto
os ombros
puxam carros de boi
e dia
e noite são
tão claros quanto intermináveis.
Mas, mais que o vento, beijos
entre quem até então se
desconhecia
prenunciam primaveras.
Ressonâncias
Coexistência das almas, como
montar um quebra-cabeça
(com peças
de jogos distintos)
ou espelho partido.
Vê aquelas duas árvores, ramos
embrenhando
crescendo tortuosos, uns nos outros,
contra a distância das
raízes.
Ou o ponto de táxi onde se aconchegando à noite
aquele casal de cães
vagabundos,
após errar pela cidade o dia inteiro,
dorme.
Surpresa do encontro súbito,
os cacos de reflexos.
O elogio da superficialidade
Amo as águas da tua íris,
maré que dissimula uma voragem
morada de peixes-diabo
e lulas infernais.
Por suave que seja a voz
prefiro os estilhaços,
o silêncio entrecortado de gemidos da língua em movimento,
não estragado pelo sentido.
Porque o que palpita nos dedos entre as tuas coxas
desconhece o ódio a ignorância a estupidez
que a língua distraída em seu ócio
deixa escorrer.
Poema cartográfico
Sim, só o amor salva
mas você não sabe direito
que besta é essa
se tem plumas
escamas, suas cores.
Ainda que antes do Brasil a língua
entoasse as sílabas, nervuras
da palavra
arara
o que elas diriam
a Cabral?
Não serve a frieza dos mapas
o desconhecido onde
o pergaminho acaba
ou como bússola
a andorinha bêbada dos pensamentos
que um vazio
entretém
a gaivota traçando
círculos no céu para
morrer no mar.
Da alegria
– para Guilherme Flores
Brota o sorriso amarelo
um ipê quase
afogado na fumaça do ar petrificado
e a comunhão
do pássaro solitário com o céu
apesar das procelas.
Cantar
contra o imperativo
dos antidepressivos
cantar
além do rolo compressor
da voz
da turba em festa
cantar.
Uma serenata
Você está em seu primor
quando menos
presta, quando
tem todo o pudor de quem profana
um templo, Dioniso
arfando em seu alento.
Desprezamos a brancura do lírio,
sua exaltação como
moeda intacta
de um tempo remoto.
Agora enquanto a ausência quimera
devassa todo o bairro boêmio
que outros dedos irão te
despetalar?
Messalina nas ruas, Salomé desvelada
Vênus das peles lançada à lama
de meus devaneios
(dormindo sozinha outra vez em sua cama,
a calcinha rosa de algodão
corada de vergonha).
Metafísica em resposta a Stevens
It is the cry of leaves that do not transcend themselves
Wallace Stevens
As folhas gritam
porque não se transcendem,
as carnes,
lado a lado, dos amantes
gritam porque não se transcendem,
as palavras gritam porque não
se transcendem
vibrando com som e fúria até
morrerem em pleno voo,
ou será que tudo
transcende, e
somos nós que, estranha
paralaxe, as folhas
cobrindo os corpos,
nos atrasamos para a reunião?
de su proyecto PARSONA, libro conceptual sobre “via láctea” de Olavo Bilac:
VI
em mim descuidado
o próprio encanto
tereis notado
que outrora ouvistes
amastes, sem dúvida
sentistes
por mim, não
que torturem
inventa penas
em lugar de calma
pesar
pois é assim
dos loucos somente amantes
alegria andar chorando.
XVI
vento ulule
tu meu ombro
e essa boca
minha boca
a fronte ansiosa
em teu seio, neblina
nas manhãs úmida
da serra
solta as tranças
sono teu canto
e eu,
sereno rio
em noites calmas
dorme luar
Poema enciclopédico I – dos avanços da medicina em tratar melancolia
(no rastro de Robert Burton)
O que refutava Paracelso em Galeno
confissão de fracasso, recusa ao purgante
no que cansada a mão copista
perseverou
com humor
e miasmas
a mais longa nota de rodapé,
receita para
exorcismo via lobotomia,
500 mg de nepente,
pasto de traças.
Terebintina e ameixa em conserva
acrescentam Du Laurens e Montalto à discussão,
levantam
poeira e teias de aranha,
apagada a luz sobre
as prateleiras da biblioteca.
§
Poema enciclopédico II – da arqueologia
Se vazia a palavra
é provável demônio
assim como
erram meu nome até hoje
na fatura do condomínio
sem motim nas nuvens
sem queda ou sêmen
pingando em vão
(só tinta)
no profeta do Islã, sabemos,
leram Baphomet e do platônico
demiourgos the dreaded name
of Demogorgon
como o que ancora esses símbolos
sol e lua, a morte e o mundo
a torre, o enforcado
que salva as cartas da mesa de latão
úmida em cerveja
a que eram destinadas
ou cada galho cabal
da árvore onde desabrocham, o louco no Álef
o mágico no Bet, letra a precipitar
toda criação – ou assim seria
não tivéssemos trocado em exílio
o alfabeto antigo pelo da Babilônia
tão sacro quanto a tabuleta
de nota fiscal, por mais
que se negue, o mistério
esconde suas escamas de peixe
fundo no mar, incapaz
de subir vivo à superfície
ou
camada a camada só
numa cebola, camadas
e cheiro
sobre o fogo
e perfuma o ar das cozinhas
de Ur ou Uruk ou Lagash, que um vento
soprando quente na hora do almoço
eleva acima dos tetos de barro.
§
Poema enciclopédico III – dos abutres
Por que silêncio em Heródoto em torno
dos costumes dos persas ofertarem
mortos aos cães e aves, os cães que ladram
pra quem não reconhecem, como Heráclito
banhado no estrume, horror ao corpo
exposto, vasilhame
que o leiteiro recolhia pela manhã
na época em que ainda tínhamos leiteiros,
abutres eram mais fáceis
também de encontrar, dizimados hoje pelo uso
veterinário de diclofenaco, a lição
que se tira disso, dependendo qual for
teu palpite sobre o outro mundo
atente para a bula dos anti-inflamatórios.
-
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