viernes, 19 de abril de 2013

BÉNÉDICTE HOUART [9638]



Bénédicte Houart, hija de padre belga y madre portuguesa, nació en Braine-le-Conte, un pequeño pueblo en las afueras de Bruselas, en 1968. Se trasladó en la infancia a Portugal en 1975, donde ha vivido desde entonces.
Seus primeiros poemas publicados, após chegarem às mãos do editor André Jorge, dono da editora portuguesa Cotovia, sairiam na sempre atenta revista Inimigo Rumor (n. 15, 2003), no período em que esta funcionava nos dois lados do Atlântico. 
A estreia em livro viria então com Reconhecimento (2005), seguido de Vida: Variações (2008), Aluimentos (2009) e Vida:Variações II (2011)  todos pela editora Cotovia.




hay collares que son correas
hay mujeres que son perras
ciertos hombres, perros rabiosos

a los perros propiamente dichos
no se les ha perdido nada aquí
aunque metan el hocico en todas partes
olfateando cosas imaginarias
y, además, no hablan, ladran,
tienen razón seguro







há colares que são coleiras
há mulheres que são cadelas
certos homens, cães raivosos

os cães propriamente ditos
não foram para aqui chamados
embora metam o nariz em todo o lado
farejando coisas imaginárias
e, de resto, não falam, ladram
têm com certeza razão

in Vida: variações, Cotovia






POEMAS DE BÉNÉDICTE HOUART 


com os direitos de autor 
do meu primeiro livro de poesia 
comprei um m&m amarelo 
(amendoins cobertos de chocolate) 
duvido que alguém tenha saboreado os meus poemas 
com tanto alarido 

com os direitos do segundo 
comprei dois m&ms 
fiquei abundantemente contente e 
de queixo bem lambuzado 
como convém 

cada m&m lembrava-me o álvaro 
que dizia, e passo a citar 
come chocolates, pequena, e 
eu, citando novamente, 
comia chocolates, pequenos 

com os do terceiro 
que ainda não escrevi 
já me cresce água na boca 
reservei m&ms na mercearia 
e pus a boca em pause 
embora muito a contragosto 

bem vejo como este poema é prosaico 
as minhas desculpas 
os direitos de autor não dão 
para mais metáforas do que isto 

(e, de resto, ele tinha razão, o álvaro 
o mundo é uma gigantesca pastelaria 
onde uns comem, outros veem comer) 


§ 


já penélope não sou 
nem ulisses regressa 
mudo de nome noite 
a noite ao sabor da saliva 
dos meus amantes 
de dia troco lençóis 
coso bainhas 
descanso os olhos 
dantes tecia para 
enganar a corte que 
me servia de prisão 
agora chamo-me eu 
não tenho estado civil e 
na cela que me tem cativa 
tornei-me finalmente livre 


§ 


falou-me com duas pedras na mão 
eu atirei-lhas de volta 
por pouco não lhe rachei a cabeça 
parti o vidro duma montra 
ficou parecida com uma teia de aranha 
chovesse, então, era uma maravilha 
veio um polícia e levou-me 
bem lhe expliquei a situação 
visivelmente não compreendeu 
que uma metáfora por vezes 
tem consequências pouco legais 
multou-me e aconselhou-me 
a não reincidir 
coisa que fiz logo de seguida 


§ 


são as mulheres que 
fazem chorar as cebolas 
como se descascassem a própria vida 
e, arredondando-se então, descobrissem 
um corpo, o seu 
uma vida, a sua 
e, no entanto, nada que de verdade 
pudessem seu chamar 
ou talvez sim, mas só 
aquela gota de água salpicando 
um canto do avental onde 
desponta uma flor de pano colorida que 
ainda ontem ali não ardia 


§ 


o meu cão parece um coelho 
eu pareço uma pessoa 
por vezes, raras, as coisas parecem ser o que são 
há quem se dedique a descortinar 
vida fora tal contradição e 
no fim, morra, como todos 
sem ter percebido nada afinal 

é a vida, a própria vida, queira ou não, deus ou outro qualquer 


§ 


a pedicure disse-me que 
os meus pés eram bonitos 
apeteceu-me saltar-lhe 
para os braços, mas 
em vez disso, observei-a 
não sem admiração 
desconhecia que havia tantas 
limas para a mesma ocasião 
no fim, recusei pagar-lhe pois 
o que ela havia dito 
não tinha preço 
falando, tirou-me uns calos que 
há séculos me atormentavam 


(aliás, as palavras são de graça 
quanto mais beleza 
a ninguém pertencem 
a ninguém cabe vendê-las) 


§ 


vestem-se as dores 
nos bastidores da minha memória 
esta é a puta 
que estendeu a mão 
após descruzar as pernas 
esta é a ingénua 
não estendeu a mão 
após descruzar as pernas 
esta é a nostálgica 
traz a mão estendida 
nunca descruzou as pernas 
despem-se as dores nos 
bastidores da minha memória 


§ 


para poético preferi putas 
esquinando as ruas 
alvoraçando as noites 
abanando o rabo na 
praça pública 
constipando-se 
ensopando lenços 
guardando intactos 
sonhos bem precisos 
não de regeneração, mas 
sim de exultação 


§ 


pus-me a escrever um poema 
fosse tal e qual uma pedra e 
acertasse sempre no que 
eu bem quisesse 
se parti alguma coisa, pois 
não faço ideia 
o que garanto é que 
não fui multada 
até recebi direitos de autor 
ainda que injustamente 
a pedra era obviamente um plágio 
quanto ao poema, quem sabe 


§ 


liga-me à sua maneira, diz do marido 
uma mulher cheia de nódoas negras 
ainda ontem me ofereceu 
um ramo de margaridas 
foi depois desta 
e levanta a blusa e aponta 
para uma negra na barriga 
e antes desta, mostra outra 
um ramo de violetas 
bem cheirosas, ainda não murcharam 
vai variando nas flores para 
ver se me mantém entretida 
que quer que quer é a vida... 


§ 


ó boa ó amor ó querida 
ah se eu não fosse pedreiro, mas 
senhor arquitecto 
construía uma catedral no teu coração e 
tornava-me sino nos teus ouvidos 
sepultava em vida o teu corpo 
para que ninguém mais 
ah pedreiro sou e minhas mãos 
aprenderam das pedras a resignação 


§ 


sou só uma menina 
magoada por amor à tradição 
eu cá disso nada sei 
gosto de brincar com as minhas bonecas 
no chão de terra batida onde as penteio 
eu cá disso sei quase tudo 
um dia, dizem, pertencerei a um homem 
a quem chamarei de marido, mas 
nunca com ele brincarei como 
quando fui feliz antes de 
para sempre o sexo me açaimarem 
de ninguém mulher tornarem-me 

eu cá disso não saberei 
sou uma só menina de entre todas as outras outrora 


§ 


é uma casa de passagem onde 
se vê o mar quando 
a puta veste o fato de marinheiro e 
põe a cassete da tempestade 


§ 


a puta que me pariu era a mais linda da rua formosa 
eu saí a ela deve ser por isso que mal sorrio os homens perguntam 
quanto é 
e eu não é nada a puta que me pariu pôs-me a estudar e eu agora 
só sorrio e é tudo de graça 
ea seguir mostro-lhes o rabo ea seguir as pernas e ponho-me a andar 
deixo-os de corpo a abarrotar 
de tralha 


§ 


um homem geme porque 
o corpo da mulher que recusa 
se enrosca e 
a recusa é doce e um homem geme 
enquanto a mulher se ausenta 
estica o corpo até às nuvens 
enfia os dedos no ânus das nuvens e 
está frio na ponta dos seus dedos então 
a mulher cose as nuvens umas às outras 
monta um carrossel para se aquecer 
e disse tomai os meus vestidos enfiai-os que não os quero mais 
e empinou o corpo 
finalmente a mulher remata o homem enrosca-se então 


§ 


hoje vou com aquele que me levar 
e se for uma mulher 
vou com as suas mãos que remendam 
e não substituem 
e se for um homem 
vou com as suas mãos que remendam 
e não substituem 
e se ninguém houver 
vou com ninguém que me leva sempre 
para onde não quero 
e vou com as suas mãos que substituem não remendam 
é por isso que à noite 
espreito para a janela dos comboios 
e cumprimento-me timidamente 


§ 


acho que as crianças devem ser mantidas na ignorância 
de certas coisas da vida 
pois não sabendo nada sabem nada e é 
muito embora muito pouco pareça muitas coisas aparecem 
nós já não sabemos como nada pesa tanto que 
só um pequenino pode ser derrubado 
e do chão vir-se com as estrelas é quando chovem 
as gotas escorrem-lhe dos dedos e são as lágrimas benditas 
seja maldita a nossa incompleta desolação 


§ 


no dia de todos os mortos quero um homem 
bem vivo na minha cama 
pois os mortos são muitos e 
dos vivos basta um 
se não chegar 
dá deus outro 
parecido com os demais onde é preciso 
cada vivo desalinhar 

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