EVERARDO NORÕES
Nació en la ciudad de Crato, Ceará, BRASIL en 1944. Vivió en Francia, Argelia y Mozambique.
Poesía:
Poemas Argelinos (Ed. Pirata, 1981); Poemas (Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2000); Nas entrelinhas do mundo, em co-autoria (Ensol, 2002); Le tigri del Bengala - tradução de Emilio Coco Edizione Nuove Muse, S. Marco in Lamis, Itália, 2005).
Co-autor do texto da peça Auto das portas do Céu, de Ronaldo Brito. Organizou a obra completa de Joaquim Cardozo, que se encontra no prelo (Editora Nova Aguilar).
Flamboyant
reviento
el corazón del verde
en esta tarde
es cuando el sol florece
jaboticabas al pie
maduro color del ojo
divino
es un color indefinido
hálito que no se describe
sólo soy
el encarnado
reviento
el corazón del verde
y sangro
al ritmo regular
y persistente de la lluvia
entonces
discurro lo que pasa
sobre esta mancha
que ensucia
la avaricia de los días.
Traducción: Mario Martínez Sobrino
Flamboyant
arrebento
o coração do verde
nesta tarde
é quando o sol
flora,
jaboticabas no pé
madura cor do olho
divina
é uma cor indefinida
hálito que não se descreve
sou apenas
o encarnado
arrebento
o coração
do verde
e sangro
ao ritmo regular
e persistente
da chuva
então
discurso
ao que passa
sobre esta mancha
que encarde
a avareza dos dias.
Fractales
Por la inmersión
de las sombras
calculo
el itinerario de la luz.
Mido los contornos de nuestras ruinas
en la matemática particular
de las desesperaciones.
Abro la ventana
de la página del sueño.
Deletreo, despacio
el Aywu Rapitá:
el ser del ser de la palabra,
(flor pronunciada entre las estrellas).
La noche
se derrumba sobre las tejas
en la explosión de un meteoro.
Cuento esquirlas,
recompongo parábolas:
un mínimo de lo que soy
recuerda las fronteras
del Universo.
Traducción: Mario Martínez Sobrino
Fractais
Pelo mergulho
das sombras,
calculo
o itinerário da luz.
Meço
os contornos de nossas ruínas
na matemática particular
dos desesperos.
Abro a janela
da página do sonho:
soletro, devagar, o Aywu rapitá:
o ser do
ser da palavra,
(flor pronunciada entre as estrelas).
A noite
desaba sobre
as telhas
na explosão de um meteoro.
Conto estilhaços,
recomponho
parábolas:
um mínimo do que sou
lembra as fronteiras
do Universo.
Sertão
As nuvens são baixas,
mas alto é o céu.
O que parece passar,
permanece.
O verde, no cinza
se descobre.
A luz,
da escuridão se tece.
O verbo afia,
a faca desafia:
no oculto de mim,
tudo é Sertão.
De
RETÁBULO DE JERÔNIMO BOSCH
Rio de Janeiro: 7Letras, 2008. 126 p.
O peixe-homem fugiu da tela
através do azul-turquesa
de um quadro de Klee.
Desconhecia
as plantas do Jardim das Delícias,
as classificações botânicas,
os itinerários, a música da sala:
flutuou no ar.
Suas palavras
brilharam como esferas magnéticas.
E num farfalhar de águas,
desapareceu da tela
em direção ao retábulo
de São Jerônimo Bosch.
8
Voz movediça:
areia a escorrer entre as horas,
recolhida numa sombra
para ser escutada,
como se escuta uma luz,
arrefecida no silêncio da casa:
esvaída em cinza,
sumida
num monturo
de lembranças.
11
Para Luiz Arraes
O sentimento das pedras
entoava em nós
o cântico
de tua presença.
De dentro de suas paredes
as igrejas recitavam a promessa
de algum hino.
E as casas
rimavam cadeiras nas calçadas,
alpendres, sobrados, quintais.
Cidade sem muros:
só morada.
Aqui e ali,
pé de jasmim, fruta-pão,
fícus-benjamim.
Ninguém se atrevia
a duvidar do vento,
a incomodar a chuva.
O sol era mais sol
a fustigar nossa pele.
E as ruas,
com nomes de coisas,
mais humanas.
Mancha
Sob as palavras
tudo se transfigura:
a urze, a pedra, o horto.
As cabras pastam,
as vacas ruminam,
e é muito tarde
para rimar teu nome.
Sobre nós flutua
o encoberto,
nuvem suspensa
ao fio da saliva,
mancha de desterro.
Sob as palavras,
tudo se derrama,
como o leite
numa mesa de pensão.
Sesta
o galho de árvore
a penetrar na nuvem
pássaro a resvalar
no clarão da pele
lampejo de água
na chuva adormecida
sopro de luar
no cobre da bandeja
um sim dissimulado
na dobra do vestido
augúrio de festa
no aceso de dentro
molécula explodida
no cristal
da taça
De
A RUA DO PADRE INGLÊS
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006
CEMITÉRIO DE MUCUGÊ
Do desterro de pedra,
contemplo
a pequena cidade muda.
Escalo seus andares,
a mão se fere nas cinzas
dos seus ossos.
A cal ofusca,
a nuvem cala:
nunca mais eu voltarei aqui.
Nunca mais eu voltarei aqui,
para despir a paz dos Meteoros:
o lume que se esconde nas aguadas,
o garimpo do corpo,
os epitáfios.
As bromélias sangram nos meus pés.
Avisto a lousa cega,
o muro descarnado.
Um bordado de letras — seus insetos —
o escalar das heras
nos portais.
Devo subir degraus,
sangrar os lábios,
resvalar pelas pedras meus pecados;
arrancar do umbigo das colinas,
a raiz do silêncio,
Teu mau-trato,
Do desterro de pedra
me contemplo:
urna luz repartida entre as ruínas,
um azul que alucina
as tuas águas...
O LICOR DO SEGREDO
Saber na boca
o licor do segredo,
como obscuro servo
no mais alto degredo.
Escalar o corpo
é redimir as cinzas,
mudar o fogo em sombras
desdobrar as ondas.
OS DADOS DO DÍA
Deduzem-se
os dados do dia
entre as garras do gamão.
Raro sopro de alegria
sôbolos rios que se vão.
De
POEIRAS NA RÉSTIA
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010
Tiradeira de leite
entre os dedos
o fulgor do leite
filtra a desordem solar
o curral aprisiona
o sossego dos bichos
o negro viscoso do olho
a refletir vasilhas
o ramo da árvore
a sombra do regaço
cedo a manhã cheira
e tudo se acorda
na precisão do mato
ou do alento
que chega do açude
no remanso das entranhas
dessas nuvens lentas
lentas
lentas
lentas
Rimbaud matemático
Recompôs
todas as incógnitas
e com letras gregas
desvendou como
subjugar o infinito.
Depois,
armou-se
para o duelo:
anotou equações,
descreveu as curvas do sonho,
e aguardou a bala
para a conclusão
do último
teorema.
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