INÊS FONSECA SANTOS
(LISBOA, 1979)
Jornalista e escritora.
Tirou o curso de Direito (Faculdade de Direito de Lisboa) e fez o mestrado em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea (Faculdade de Letras de Lisboa).
Na televisão, trabalhou como jornalista nos programas Sociedade das Belas Artes, Laboratório (ambos da SIC Notícias), Câmara Clara e Diário Câmara Clara (ambos da RTP 2), do qual foi editora e apresentadora. Foi ainda responsável pelos conteúdos editoriais da série documental Tradições – Retalhos da Vida de um Povo (SIC Notícias).
Escreveu o ensaio A Poesia de Manuel António Pina – O Encontro do Escritor com o seu Silêncio (Dep. Estudos Românicos da FLUL); a biografia Produções Fictícias – 13 Anos de Insucessos (Oficina do Livro); os livros de poesia As Coisas, com desenhos de João Fazenda, e A Habitação de Jonas, com ilustrações de Ana Ventura (ambos da Abysmo); e o livro infanto-juvenil A Palavra Perdida, ilustrado por Marta Madureira (Arranha-Céus). Escreveu ainda para o Prontuário do Riso (Tinta-da-China) e colaborou com várias revistas: Ficções, Relâmpago, Textos e Pretextos, Elle, entre outras. Textos seus figuram em antologias portuguesas e estrangeiras.
Foi coordenadora do programa de rádio A História Devida (Antena 1/ Produções Fictícias) e organizou, com Nuno Artur Silva, a Antologia do Humor Português (Texto).
Na Casa Fernando Pessoa, coordenou o ciclo Humor de Pessoa (2013) e, ao longo de 2014, é responsável, com Filipa Leal, pelos debates Os Espaços em Volta.
A convite da Fundação Calouste Gulbenkian, é comissária do colóquio É então isto para crianças?: Criações para a infância e a juventude, que acontecerá em Fevereiro de 2015.
Mantém o blogue PIM! (inesfonsecasantos.blogspot.com), onde escreve sobre criações para a infância.
X
Y sucedía entonces el regreso de ella.
Ella regresaba a casa cada vez más
distante de él: por dentro de las paredes,
como un animal
manso.
Descalza, iba por la madera; en las manos, los zapatos
soltando piedras.
Él la buscaba
recogiendo piedra a piedra
un destino:
el destino de él,
el destino de ella.
“A habitação de Jonas” (abysmo, 2013)
X
E acontecia então o regresso dela.
Ela regressava a casa cada vez mais
distante dele: por dentro das paredes, como um animal
manso.
Descalça, ia pela madeira; nas mãos, os sapatos
soltando pedras.
Ele procurava-a
colhendo pedra a pedra
um destino:
o destino dele,
o destino dela.
A habitação de Jonas (abysmo, 2013)
V
En esos días, me recordaba: un planeta por estrella.
Y me acordaba de todo lo que había aprendido
en la escuela, en la catequesis, en el recreo
sobre la tierra, una cosa creada por alguien
para servir la casa: una costilla entablada en un mito,
una piedra esculpida como ilusión.
En ese planeta,
como en esta ciudad,
como en esta casa,
como en este cuarto,
como en esta pared,
ya se dijo todo lo que había que decir,
recordaba yo en esos días.
Y en eses días salía de casa
en dirección a la ciudad,
tropezaba demasiado en las calles
sin conseguir siquiera culpar
la geometría de la calzada portuguesa.
La culpa era del corazón contra las piedras
del corazón amansando las piedras.
A habitação de Jonas (abysmo, 2013)
V
Nesses dias, recordava-me: um planeta por estrela.
E lembrava-me de tudo o que aprendera
na escola, na catequese, no recreio
sobre a terra, uma coisa criada por alguém
para servir a casa: uma costela entalada num mito,
uma pedra esculpida como ilusão.
Neste planeta,
como nesta cidade,
como nesta casa,
como neste quarto,
como nesta parede,
já se disse tudo o que havia para dizer,
recordava-me eu nesses dias.
E nesses dias saía de casa
em direcção à cidade.
Tropeçava demasiado nas ruas
sem conseguir sequer culpar
a geometria da calçada portuguesa.
A culpa era do coração contra as pedras,
do coração amansando as pedras.
A habitação de Jonas” (abysmo, 2013)
IV
Había mucho días
que ella pasaba todo el tiempo gritando con él, conmigo.
Después de sonar las campanas, sonaban los gritos de ella.
Ella le preguntaba a él, a mí:
¿cuándo podré volver a escribir poemas de amor?
¿Cuándo podré volver a encender la luz por la noche
no porque tenga sed, sino para ver mejor tu verdadero rostro?
Yo no tenía respuestas, cuanto más él. hasta porque perdía
las preguntas, escondidas, refugiadas
dentro de las burbujas de la pared.
Igual que él, yo solo tenía
en el corazón la desobediencia de las piedras.
A habitação de Jonas (abysmo, 2013)
IV
Havia muitos diasem que ela passava
o tempo a gritar com ele, comigo.
Após soarem os sinos, soavam os gritos dela.
Ela perguntava-lhe a ele, a mim:
quando poderei voltar a escrever poemas de amor?
Quando poderei voltar a acender as luzes à noite
não por ter sede, mas para te ver melhor
o rosto real?
Eu na tinha respostas, quanto mais ele, até porque perdia
as perguntas, escondidas, refugiadas
dentro das bolhas das paredes.
Tal como ele, eu apenas tinha
no coração a desobediência das pedras.
A habitação de Jonas (Abysmo,2013)
.
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