Luís Miguel Nava
Luís Miguel de Oliveira Perry Nava (Viseu, 29 de septiembre de 1957 — Bruselas, 10 de mayo de 1995) fue un escritor y poeta portugués.
Fue considerado una de las revelaciones más importantes en la poesía portuguesa de la década de 1980. Su primer libro fue publicado en 1974 y se titulaba Perdão da Puberdade, que el autor nunca incluyó en su bibliografía. En 1975, conoció a Eugénio de Andrade y decidió destruir todo lo que había escrito hasta entonces, lo que explica esta no inclusión.
En 1978 recibió el Premio Revelación de la Asociación Portuguesa de Escritores con la obra Películas, editada en 1979. En 1980, terminó la licenciatura en Filología Románica en la Facultad de Letras de la Universidad Clásica de Lisboa. Entre 1981 y 1983 fue asistente en esa misma Facultad.
En 1983, partió para la ciudad de Oxford como lector de portugués y, tras pasar tres años allí, realizó una oposiciones para traductor de la entonces Comunidad Económica Europea. Ganó las oposiciones y se instaló en Bruselas en 1986, donde murió asesinado en 1995.
Obra poética
Películas. Lisboa: Livraria Moraes Editores (1979) (Premio Revelación de la Asociación Portuguesa de Escritores, 1978)
Inércia da Deserção. Lisboa: &Etc. (1981)
Como Alguém Disse. Lisboa: Contexto (1982)
Rebentação. Lisboa: &Etc. (1984)
Poemas. Porto: Limiar (1987) (reedición conjunta de los libros anteriores)
O Céu sob as Entranhas. Porto: Limiar (1989)
Vulcão. Lisboa: Quetzal (1994)
Poesía Completa 1979-1994. Lisboa: Publicações Dom Quixote (2002), organizado y postfacio de Gastão Cruz y prefacio de Fernando Pinto do Amaral
Ensayos
O Pão, a Culpa, a Escrita e Outros Textos. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda (1982)
A Poesia de Francisco Rodrigues Lobo. Lisboa: Editorial Comunicação, 1985 (1985)
O Essencial sobre Eugénio de Andrade Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda (1987)
Ensaios reunidos. Lisboa: Assírio e Alvim (2004), con prefacio de Carlos Mendes de Sousa
Otros trabajos
Fue responsable de la Antología da Poesia Portuguesa 1960-1990 (1991), editada en Bélgica bajo los auspicios de Europália.
EL TÍMPANO Y LA PUPILA
En uno de los platillos el mar, en el otro un río, ahora
que el tiempo se deshuesa,
que las piedras
que piso se me entierran en la memoria y los caminos
se me estrechan en el alma como láminas, el pan
mojado en las heridas,
el pan
él mismo ya también una herida, ahora
que el tiempo, que tantas veces
compararan a un río, pero
no es más que una leve exudación en los muros,
en las manos, ahora
que el cielo se encrespa y que pedazos
de mundo arrojados
con toda la fuerza a los ojos dan vueltas
en las tinieblas antes de extinguirse,
mas delgado que la nieve
camino, el alma abierta como herida,
a lo largo de la memoria, donde se funden
el tímpano y la pupila.
(Traducción de Pedro S. Sanz)
O POEMA
É um arbusto, armados
ainda nele os últimos relâmpagos,
o poema.
A pedra cai no ventre
a água - a fruta poderosa, as páginas
onde a brancura se estilhaça, o lenço
como um relâmpago.
Os cães brilham ao alto
- são eles o arbusto.
de imagens onde a força miúda
como um leão íris
a atravessa o poema encarcerado em sua própria imagem.
A pedra, digo, cai no ventre
da água como um punho
- agora está no fundo desta imagem.
OS NÓS DA ESCRITA
Escrever é, para mim, tentar desfazer nós, embora o que na realidade acabo sempre por fazer seja embrulhar ainda mais fios. A própria caligrafia é sufocada.
Há, todavia, um momento em que as palavras são cuspidas, saem em borbotões, e o sangue e a saliva impregnam o sentido. É impossível separá-los.
Por trás talvez não haja mesmo nada. São palavras que não estão ginasticadas, que secam e encarquilham como folhas por que a seiva já não passe.
Oprimem toda a página, através da qual deixa de ser possível respirar. Tampam-lhe os poros. A própria chuva que neles não se escoa.
O INFINITO
Gostava de passar pela experiência de um desses espelhos em frente dos quais um outro é colocado - sentir a minha imagem multiplicar-se por mim dentro até ao infinito - o interior de um espelho em face do qual outro foi posto. Sempre que dois espelhos amorosamente se interpelam, qualquer deles, incorporando o outro, o atravessa e, carregando-o consigo, se coloca, perfilado e atento, do outro lado.
XADREZ
Às vezes entretenho-me a sentir cada palavra minha transformar-se em tantas quantas as pessoas que me escutam. As palavras multiplicam-se, irradiam, ficam-lhes no espírito como esses pássaros que, entrando em nossas casas, se debatem horas infinitas contra os vidros. É então que, com frequência, me apetece abrir o peito, expor todas as vísceras, os órgãos sobre os quais a luz do coração incide, e que, se acaso o sol me sobre na consciência, sinto os dedos regressarem lentamente às mãos. Trazem então consigo uma vontade imensa de jogar, de abrir de novo as vísceras, mostrar por dentro o corpo, esse magnífico xadrez de que o trabalho dos meus órgãos equivale à sucessão dos lances.
MATADOURO
Dancei num matadouro, como se o sangue de todos os animais que à minha volta pendiam degolados fosse o meu. Dancei até que em mim houvesse espaço para um poema de que todas as imagens depois fossem desertando. A luz que desse sangue irradiava, como se nele o sol tivesse mergulhado e os raios nele se houvessem diluído, atravessava-me os poros e fazia-me cantar o coração. Tratava-se de uma luz que nada tinha a ver com piedade ou a esperança, mas cuja música, sem me passar pelos ouvidos, ia direita ao coração, que nos animais acabados de abater por momentos encontrava um espelho ainda quente, tão diverso da algidez que habitualmente neles impera. Só num espelho assim saído há pouco das entranhas dum ser vivo se desenha a nossa verdadeira imagem, ao invés da frigorífica mentira onde é comum a vermos esboçar-se. Só esse espelho capta a espessa luz em que parecem ter-se consumido os próprios astros, essa luz que com os objectos que ilumina se confunde numa única substância capaz de arrancar-nos à treva e de dar cor à santidade. A luz do néon, ante aquela de que se esvazia o coração dum porco, é uma metáfora de impacto reduzido. A luz que das vísceras emana é a de deus, aquela que, por excessiva dose de trevas misturada, mais que qualquer outra se aproxima da de deus, que resplandece nas carcaças em costelas onde é fácil pressentir as incipientes asas de algum anjo. O berro do animal que qualquer faca anónima remete à condição daqueles cujo sangue se escoe ao nosso lado é o único som a que dançar merece a pena. O dia declinou-lhe nas entranhas, quantas manhãs as percorreram absorvidas pelas aberturas dos seus olhos mais não são agora do que um rastro de lume sobre a lâmina e nos baldes onde pinga, reduzidas a um furtivo clarão de dignidade de que todos de repente nos sentimos órfãos.
OS NERVOS
Começaram-se-lhe os nervos, um dia, a reproduzir com uma violência inusitada, abrindo-lhe por fim a pele, por fora da qual, como a hera nas paredes, rapidamente se espalharam, sobrepondo-se aqui e acolá à própria roupa, com que deixou de poder dissimular o acontecido. Não havia, além disso, peça de vestuário que, depois de a ter vestido há algumas horas, o seu espírito já quase não houvesse totalmente devorado. O mesmo sucedia com os óculos. À nudez que o espírito lhe impunha, vinha-se juntar assim uma espécie de cegueira, entre as quais não tardou a haver quem encontrasse afinidades.
ESTACAS
Os meus ossos estão espetados no deserto, não há um só no meu corpo que lhe escape.
Cravados todos eles na areia do deserto, uns a seguir aos outros, alinhados.
Seria absurdo falar-se de esqueleto.
A pele foi entretanto soterrada, há quem já tenha caminhado em cima dela. Quem diria? A pele, outrora hasteada, uma bandeira, quase uma coroa.
O vento apoderou-se-me das vértebras. O próprio sol que entre elas brilha é descarnado, um sol deserto, onde o deserto penetrou.
Talvez pudéssemos lavá-lo, este deserto, quem sabe, ou amarrá-lo, amordaçá-lo. A pele garante o espaço, o resto logo se veria.
um prego
Cravava cuidadosamente um prego na parede, quando pressentiu que, como água dum cano que se rompesse, o futuro poderia jorrar de súbito na cal, uma substância na aparência cristalina mas em cujo seio as formas do presente se diluiriam todas, como se, com os seus contornos, igualmente se perdesse o seu sentido, e um sol se deslocasse, por pouco que fosse, do presente para o futuro, se esvaziasse então no céu, deixando atrás de si uma cicatriz imensa.
poesia completa (1979-1994)
vulcão
publicações dom quixote
2002
O céu
Assoam-se-me à alma, quem
como eu traz desfraldado o coração sabe o que querem
dizer estas palavras.
A pele serve de céu ao coração.
Sem outro intuito
Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.
Falésias
Poder-me-ão encontrar, trago um rapaz na minha
memória, a casa a uma janela
da qual o faço vir como um sabor à boca,
falésias onde o aguardo à hora do crepúsculo.
Regresso assim ao mar de que não posso
falar sem recorrer ao fogo e as tempestades
ao longe multiplicam-nos os passos.
Onde eu não sonhe a solidão fá-lo por mim.
Paisagem citadina
A pele por fulgurantes
instantes muitas vezes abre-se até onde
seria impensável que exercesse
com tão grande rigor o seu domínio.
Não temos então dela senão rápidas
visões, onde os reclames
do coração se cruzam, solitários
e agrestes, reflectidos
por trás nos ossos empedrados.
Em certas posições vêem-se as cordas
do nosso espírito esticadas num terraço.
A roupa dói-nos porque, embora
nos cubra a pele, é dentro
do espírito que estão os tecidos amarrados.
Teatro
Na selva dos meus órgãos, sobre a qual foi desde sempre a pele o
firmamento, ao coração coube o papel de rei da criação. Ignoro de que
peça é todo este meu corpo a encenação perversa, onde se vê o sangue
rebentar contra os rochedos. Do inferno, aonde às vezes o sol vai buscar as chamas, sobre ele impediosamente jorram os projectores.
EM SINTRA
As águas maravilham-se entre os lábios
e a fala, rápidos
em Sintra espelhos surgem como pássaros,
a luz de que se erguem acontece às águas,
à flor da fala
divide os lábios e a ternura. Da linguagem
rebentam folhas duma cor incómoda, as de que
maravilhado de água surges entre
livros, algum crime, um
menino a dissolver-se ou dele os lábios e ergues
equívoca a luz depois. Rápidos
espelhos então cercam-te explodindo os pássaros.
Películas (1979)
In Poesia Completa 1979-1994
Lisboa, Dom Quixote, 2002
FINAL
Não foi sem dificuldades que este livro rompeu através dos interstícios do mundo até chegar às tuas mãos, leitor, para aí, como um deserto a abrir noutro deserto, criara uma irradiação simbólica, magnética, onde o branco do papel e o negro das palavras, esses cores que segundo Borges se odeiam, pudessem fundir-se e converter-se nessa outra a que, na enigmática expressão de Sá-Carneiro, a saudade se trava. Como um desses objectos cujo peso, assim que neles pegamos, instantaneamente divide entre as nossas mãos e a alma, é mesmo de crer que ele esteja já dentro de ti - e algo de mim com ele. Acolhe-, pois, com benevolência, que, chegada a altura, havemos de arder juntos.
O abismo
Com a sua pele de poço,
pele comprometida com o medo que no fundo fede e a que,
digamos,toda ela adere de uma forma resoluta,
dir-se-ia que se engancha,se pendura,
o branco da memória a alastrar pelo corpo,
um branco tão branco como o das noites em branco
e sobre o qual a idade, exorbitada, hiante, se insinua,
pensos, ligaduras, impregnados de memória,
uma memória onde fulgura a lava dos sentidos que entram
em actividade e lhe disputam os dias idos,
assim ergue a balança,onde sustém o abismo.
L'abisme
Arnb la seva pell de pou, pell compromesa amb aquella por que en el fons put i a la qual, diguem-ho, tota ella s'adhereix de manera decidida, es diria que s'aferra, s'arrapa, mentre el blanc de la memoria se li escampa pel cos, un blanc tan blanc com el de les nits en blanc i damunt del qual l'edat, exorbitada i esbadellant, s'insinua, embenatges, lligadures, impregnats de memoria, una memoria en la qual fulgura la lava dels sentits que es posen en activitat i li disputen els dies que ja han fugit, així es dreca la balanca, en la qual se sosté l'abisme.
(traducció diArnau Pons)
Um osso
Um osso preso ao sal, como que mergulhado
no sal, salgando atk h vísceras
o corpo, urn pássaro cantando nas feridas
em pleno inverno, as manhás altas
e abertas invadindo as árvores,
mnnhás anfiactuosas, atravks
das quais toda a alegria em váo ascende
dar tábuas do soalho aos copos
na mesa onde branquejam
o osso torturado, a luzferida,
manhá que se me entranha
atk ser mais infancia que manhá
nesse osso em torno
do qual como urna auréola a luz vibra,
manhá que nem mesmo a alegria
que as lentes urna a urna ampliam
conscpe penetrar, feridas atravks
das quais as nuvens se amontoam mal disfaqam
agora em seu redor manchas de mar.
Un os
A la sal presoner un os, com afonat
dins la mateixa sal, que sala fins a les vísceres
el cos, canta un ocell dins les ferides
a ple hivern, els matins alts
i oberts van envaint els arbres,
matins tan tortuosos, a través
dels quals debades s'alca tot el goig
des de les posts del terra fins als vasos
que hi ha damunt la taula en que blanqueja
1'0s torturat, la llum ferida,
matí que es clava dins l'entran~a
fins que esdevé més una inhncia que un matí
en aquest os entorn
del qual vibra la llum com una aureola,
matí que ni tan sols el goig
que un a un les lents amplien
aconsegueix de penetrar, ferides a través
de les quals els núvols ja s'agrumollen poc dissimulen
al seu voltant taques de mar.
(traducció diArnau Pons)
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